Avaliação tomográfica para TAVI: Classificação da valva aórtica e padrão de calcificação.
- Laio Wanderley
- há 1 dia
- 6 min de leitura

Chegamos ao nosso próximo artigo da avaliação tomográfica para TAVI. Os passos anteriores são básicos e podem ser aplicados a qualquer análise de tomografia: verificar a qualidade das imagens, ajustar a melhor janela, utilizar a ferramenta de reconstrução multiplanar e realizar a coaxialização (que, neste caso, corresponde ao complexo valvar aórtico).
Nesta publicação, vamos focar no Passo 03 – Análise qualitativa: valva aórtica, via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE) e raiz da aorta. O objetivo aqui é obter uma visão panorâmica e ampla do complexo valvar aórtico, observando de forma objetiva o aspecto da valva e o padrão de calcificação dos folhetos e das regiões adjacentes. Por isso denominamos esta etapa de análise qualitativa, na qual damos ênfase à forma. Nos passos seguintes, abordaremos as dimensões e a magnitude das estruturas, caracterizando a análise quantitativa.
Reveja o nosso roteiro abaixo (Clique nos ítens em roxo se quiser revisar os passos anteriores) .
Identificação e avaliação da qualidade da angioTC protocolo TAVI
Ajuste de janela para osso (ww/wl osso) e aplicação da Reconstrução Multiplanar (MPR)
Coaxialização – alinhamento dos eixos tomográficos com o anel aórtico, no mesmo plano
Análise qualitativa - valva aórtica e Via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE)
Análise quantitativa - dimensionamento do Anel aórtico e VSVE
Análise quantitativa- Altura e relação com as coronárias
Análise quantitativa- Seios de Valsalva e junção sinotubular
Ângulações e projeções ideais para o implante
Acessos femorais – avaliação panorâmica (3D)
Acessos femorais – análise detalhada por reconstrução multiplanar (MPR)
Passo 4. Análise qualitativa do complexo valvar aórtico e raiz
Este passo é relativamente rápido, na prática é para dar uma varredura na região.
Cabe aqui, na nossa reflexão, revisar a anatomia da valva aórtica e sua classificação (tricúspide vs. bicúspide) e como o padrão de calcificação (folhetos e VSVE) pode nos alertar quanto a complicações.
Vale refletir que a Zona de aterrissagem do dispositivo (TAVI) são as cúspides, anel aórtico e VSVE. Portanto, a qualidade dessa zona de pouso deve ser avaliada com cuidado, especialmente quando há muita pedra na pista (cálcio em excesso).
a. Identifique o tipo de valva (tricúspide ou bicúspide):
Relembrar o posicionamento das cúspides e seios na tomografia:
Anterior = seio coronariano direito (RCC)
Posterior esquerdo = seio coronariano esquerdo (LCC)
Posterior direito = seio não coronariano (NCC)



Já podemos perceber na imagem acima que a valva bicúspide apresenta um espectro anatômico, com diferentes padrões e classificações
Neste ponto, algumas reflexões práticas já podem ser feitas:
A presença de uma valva aórtica bicúspide torna a TAVI mais desafiadora. Alguns motivos são:
Morfologia variável;
Anel ovalado e menos circular;
Maior risco de complicações;
Planejamento mais complexo;
Em relação aos ensaios clínicos (trials como a serie PARTNER, EVOLUT low risk, NOTION, etc. ), essa condição geralmente é excluída dos principais estudos randomizados, o que limita a evidência científica direta para essa população, especialmente jovens, que são os mais acometidos.
b. Tente classificar a valva e notar o padrão de calcificação dos folhetos.
O cálcio pode ser considerado o bom, o mau e o feio, dependendo da sua intensidade. Por um lado, sua presença garante ancoragem do dispositivo; por outro, o excesso aumenta o risco de vazamentos periprotéticos (leak) e de lesões graves na raiz da aorta.
Esse dilema também é observado nas cirurgias convencionais: quando o cálcio não é devidamente debridado, pode resultar em leak, dificuldade para fixação dos pontos e fragilidade tecidual.
Uma das classificações mais usadas para valva Bicúspide é a de Sievers et al. - entenda ela, pois usualmente é a mais falada nos trabalhos.

Como cirurgiões apreciam uma boa anatomia cirúrgica, observem o aspecto intraoperatório da válvula aórtica bicúspide, de acordo com a classificação de Sievers (6).

O padrão da calcificação e sua importância:


Vale salientar que existe um consenso internacional, publicado no European Journal of Cardio-Thoracic Surgery, que padroniza a nomenclatura e a classificação da válvula aórtica bicúspide, buscando superar as limitações do sistema de Sievers. Esse assunto, por si só, já renderia uma revisão.
Para resumir, embora a classificação de Sievers seja amplamente utilizada, os desfechos da TAVI parecem depender mais de fatores como a carga total de cálcio e a presença de rafe calcificada, que podem impedir a expansão ideal da prótese ou lesão na aorta (05).
c. veja o padrão de calcificação na VSVE


Usualmente, enviamos a tomografia (arquivo DICOM) para a empresa que irá fornecer a prótese transcateter, a fim de que ela elabore um relatório (report). Essas empresas utilizam o software 3mensio Structural Heart, considerado o melhor disponível para esse tipo de análise, embora seja caro e de difícil acesso para pessoa física aqui no Brasil.
Nesse relatório constam todas as informações necessárias para o planejamento da TAVI, incluindo o padrão de calcificação (como ilustrado nas imagens acima de um caso do nosso serviço).
Em resumo:
Após realizar a coaxialização, avalie a valva aórtica e VSVE:
Identifique se a valva é tricúspide ou bicúspide.
Se for bicúspide, tente classificá-la. Caso você não consiga, não tem problema — talvez o mais importante iniciamente é avaliar o padrão de calcificação.
Valve Bicúspide com calcificação da rafe e/ou calcificação intensa dos folhetos exige cautela na indicação da TAVI - aumenta o risco de ruptura aguda do anel aórtico.
Analise também a VSVE e o grau de calcificação - também pode aumentar o risco de complicações,
Valva bicúspide + calcificação intensa na rafa e folhetos + VSVE com calcificação importante = caso não favorável para TAVI
Na proxima postagem, caro leitor, iremos para o passo 5.
Referências: 1.Blanke P, Weir-McCall JR, Achenbach S, et al. Computed Tomography Imaging in the Context of Transcatheter Aortic Valve Implantation (TAVI)/Transcatheter Aortic Valve Replacement (TAVR): An Expert Consensus Document of the Society of Cardiovascular Computed Tomography. JACC Cardiovasc Imaging. 2019;12(1):1-24. doi:10.1016/j.jcmg.2018.12.003
2.Nishida K, Yokoi Y, Yamada A, Takaya N, Yamagiwa K, Kawada S, Mori K, Manabe S, Kanda E, Fujioka T, Kishino M, Tateishi U (2020) Optimal phase analysis of electrocardiogram-gated computed tomography angiography in patients with Stanford type A acute aortic dissection. Euro J Radiol Open 7:100289
3.Toggweiler S, Loretz L, Wolfrum M, Buhmann R, Fornaro J, Bossard M, Attinger-Toller A, Cuculi F, Roos J, Leipsic JA, Moccetti F. Relevance of Motion Artifacts in Planning Computed Tomography on Outcomes After Transcatheter Aortic Valve Implantation. Struct Heart. 2023 Aug 3;7(6):100214. doi: 10.1016/j.shj.2023.100214. PMID: 38046862; PMCID: PMC10692358.
4.Imaging diagnosis of aortic stenosis Mittal, T.K. et al. Clinical Radiology, Volume 76, Issue 1, 3 - 14
5.Yoon SH, Kim WK, Dhoble A, et al. Bicuspid Aortic Valve Morphology and Outcomes After Transcatheter Aortic Valve Replacement. J Am Coll Cardiol. 2020;76(9):1018-1030. doi:10.1016/j.jacc.2020.07.005
6.A classification system for the bicuspid aortic valve from 304 surgical specimens
Sievers, Hans-H. et al. The Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery, Volume 133, Issue 5, 1226 - 1233
7.Pollari F, Großmann I, Vogt F, et al. Risk factors for atrioventricular block after transcatheter aortic valve implantation: a single-centre analysis including assessment of aortic calcifications and follow-up. Europace. 2019;21(5):787-795. doi:10.1093/europace/euy316
8.Windecker S, Okuno T, Unbehaun A, Mack M, Kapadia S, Falk V. Which patients with aortic stenosis should be referred to surgery rather than transcatheter aortic valve implantation?. Eur Heart J. 2022;43(29):2729-2750. doi:10.1093/eurheartj/ehac105
Comentários