Guias, Cateteres e Introdutores - Características e conceitos básicos para o Cirurgião Cardiovascular.
- Laio Wanderley
- 20 de jul.
- 9 min de leitura
Atualizado: 22 de jul.

Se você já participou de um procedimento transcateter — como a TAVI — provavelmente está familiarizado com os termos fio-guia, cateter e introdutor. Na verdade, o cirurgião cardiovascular utiliza esses materiais rotineiramente em procedimentos como acesso central, implante de marcapasso, ECMO, cateter de Swan-Ganz e canulação periférica. São instrumentos tão presentes no nosso dia a dia que, muitas vezes, nem nos damos conta da sua complexidade. No entanto, quando se trata de intervenções percutâneas, o nível de exigência técnica e a sofisticação desses materiais aumentam consideravelmente.
Dessa forma, o fio-guia, o cateter e o introdutor podem ser comparados ao fio cirúrgico e ao instrumental de uma cirurgia cardíaca convencional: devem ser selecionados criteriosamente, com base em suas características, para serem utilizados de acordo com o tipo de procedimento. Esta postagem tem como objetivo revisitar o básico e descrever a função de cada um desses dispositivos, suas principais características e os conceitos essenciais para a prática. Tentarei explicar tudo de forma simples e objetiva.
Antes de começar, caro leitor, cabe um ponto didático importante — não se preocupe em decorar todos os tipos de guias e cateteres. Assim como na cirurgia convencional não memorizamos todas as centenas de tipos de agulhas, fios, próteses e marcas existentes, aqui também isso não é necessário. O fundamental é compreender o conceito por trás desses materiais e saber que, para cada procedimento específico, haverá um conjunto de introdutores, guias e cateteres mais comumente utilizados (citaremos diversos exemplos nessa postagem).
Introdutor: a porta de entrada.

O Introdutor (que serve para introduzir os guias e cateteres), é o tubo curto (Um mini-cateter) que fica no vaso (Artéria radial ou femoral, por exemplo) e permite que os dispositivos entrem, e saiam sem a necessidade de novas punções. Ele é introduzido no começo do procedimento e difere de um cateter comum por possuir uma válvula hemostática e uma saída lateral que permite infusão de drogas.
O introdutor é dimensionado em French (F), uma unidade em que 1 F = 0,333 mm de diâmetro interno aproximadamente.
Contudo, é crucial distinguir o calibre interno vs externo do introdutor. Por convenção, quando falamos “introdutor de X F”, referimo-nos geralmente ao diâmetro interno que ele acomoda – ou seja, o maior catéter/dispositivo em French que cabe dentro dele. O diâmetro externo da bainha será alguns French a mais, devido à espessura da parede do introdutor.
Cada introdutor possui uma colaração, que é uma codificação internacional para fácil identificação

A escolha do calibre do introdutor vai depender basicamente do que você quer introduzir através dele. Na TAVI, por exemplo, pode ser usado um introdutor 14F para para a passagem da prótese valvar através do vaso femoral, ao mesmo tempo usamos introdutores 6F para a passagem de um fio de marcapasso.


Os introdutores também podem variar em seu comprimento e específicos para acessos delicados como o radial - neste caso, a diferença será que seu kit terá um agulha menos calibrosa e um fio-guia de diâmetro menor para facilitar o acesso.
Fio-guia: o trilho endovascular.

O fio-guia (fio fino que “guia”) é usualmente o primeiro a “navegar” na circulação através de uma agulha ou introdutor. Ele é como um trilho flexível, que serve para guiar (talvez daí o seu nome) os introdutores, cateteres e dispositivos dentro dos vasos sanguíneos - na verdade, em qualquer estrutura do corpo (uretra, canal biliar, etc).
Como os catéteres são tubos ocos, mais firmes e com uma estrutura mais rígida, eles não conseguem navegar sozinhos pelos vasos tortuosos. Podem até conseguir, mas seria perigoso, com risco de perfurar o vaso. Por isso, precisam desse fio — mais fino, mais flexível e mais longo — que chega primeiro ao local desejado. A partir daí, os catéteres simplesmente "andam, são guiados” recobrindo ele.
Além de guiar, o fio-guia também pode facilitar trocas de cateteres e também pode ser usado para estabilizar a posição de dispositivos (um protese valvar transcateter, por exemplo) para uma liberação estável.
Existem vários tipos de fio-guia, com características adaptadas para diferentes funções. Abaixo, segue suas principais características e breves comentários práticos:
Calibre do fio-guia
O calibre corresponde ao diâmetro externo em polegadas.
A imagem acima mostra a embalagem do Fio-guia chamado Susrail. O círculo vermelho destaca o calibre e comprimento do fio. Já podemos perceber que na embalagem podemos consultar todas as características da guia, que iremos estudar neste tópico. Os diâmetros mais comumente utilizados são 0.014, 0,018 e 0,035 polegadas.
Quanto menor o vaso, mais fino e “suave” deverá ser o guia.
Exemplo Transcateter: Em Intervenções coronarianas usualmente são usados guias 0.014″, enquanto que na TAVI (usarei este procedimento para exemplificar alguns dos materiais) o diâmetro de fio-guia mais usado é o 0,035”.
Podemos fazer analogia com o calibre do Fio cirúrgico que usamos na cirurgia aberta: se a estrutura é mais delicada, usamos fios mais finos (Prolene 7.0 para a anastomose na coronária, por exemplo). Estruturas mais grosseiras, exige fios mais calibrosos (Ehibond 2.0, para implante valvar).
A título de curiosidade, e com objetivo didático para a maior parte dos colegas médicos refletirem sobre o tema, também usarei como exemplo um kit de acesso venoso central. Nestes kits, o fio-guia usualmente apresenta um diâmetro de 0,032 polegadas (é só olhar a especificação na embalagem).
Conformação da ponta;
Podem variar, com o objetivo de facilitar navegação dentro do vaso e a passagem do guia por certos obstáculos. Naturalmente, o quanto mais reto (e rígido) essa ponta for, maior o risco de perfurações.
Dessa forma, guia, para “navegar tranquilo” dentro dos vasos usualmente possuem conformação em J (como vemos usualmente nos guia dos kits de acesso venoso central).
Por exemplo: na TAVI, usualmente usamos o fio guia ponta reta para cruzar a valva aórtica estenótica (o ponta J não teria a mesma facilidade para ultrapassar as frestas da valva), e depois trocamos por um Ponta J através do cateter (AL1) para minimizar o risco de perfuração.
Comprimento (centímetros)
Quanto mais distante quisermos alcançar (dá artéria femoral até o coração, por exemplo) e maior for o paciente, maior deverá ser o comprimento do fio-guia.
Devemos lembrar que usamos os fios-guia para inserir e ajudar na navegação e troca de cateteres e dispositivos. Por isso, seu comprimento precisa ser suficiente para permitir a sua retirada e troca através do cateter. Dessa forma, devemos grosseiramente considerar um comprimento de guia aproximadamente o dobro do comprimento do cateter que iremos usar.
Exemplo: se estivermos utilizando um cateter com 110 cm de comprimento (um Pigtail ou um MPA), o fio-guia deve ter pelo menos 220 cm para garantir a troca segura e adequada.
Os comprimentos são variados, 80 cm até 300 cm, sendo os mais comuns para procedimentos endovasculares/TAVI, em torno de 260 até 300 cm (que facilmente permitem a troca).
O comprimento do fio-guia do cateter venoso central (continuarei usando esse material simples e amplamente utilizado para fins didáticos, pois o conceito é o mesmo do aplicado para procedimentos mais complexos) é ainda mais curto, já que o cateter central possui um comprimento reduzido. Isso pode variar conforme o fabricante, mas no modelo que utilizamos, por exemplo, o cateter tem 20 cm e o fio-guia, 60 cm — o suficiente para permitir que o cateter percorra todo o fio-guia, com sobra suficiente para que ele ultrapasse a extremidade do cateter e seja retirado após guiar o elemento mais rígido até o átrio direito.
Revestimentos:
Fonte da Imagem: https://www.tctmd.com/slide/guidewire-and-balloon-selection O fio-guia possui um núcleo, usualmente feito de aço inoxidável ou Nitinol que pode ser recoberto por Teflon ou algum material hidrofílico
Fios Hidrofílicos
São revestidos com um material super escorregadio (Poliuretano com tungstênio, por exemplo) quando molhados.
São ótimos para navegação, facilitando a passagem por vasos estreitos e tortuosos. Porém bem ariscos ao manusear, já que escorregam bastante.
Faço aqui a analogia com o Fio Prolene monofilamentar, que usualmente penetra e "corre" bem nos tecidos, sem muita resistência.
Exemplo de nomes e empresas: Blackeel (ATP medical), Terumo Glidewire, Roadrunner (Cook Medical)
Blackeel, Fio Guia Hidrofílico, da empresa APT Medical - usamos este material em um caso de TAVI para cruzar a valva aórtica. Notem que na embalagem tem todas as informações sobre as características da guia. Então, se ficar em dúvida, é só olhar a embalagem. Teflonado
Coberto com teflon (PTFE seco), que reduz o atrito, mas sem a extrema lubricidade dos hidrofílicos.
Moderadamente rígido, permitindo boa navegabilidade sem perder suporte.
Exemplo de fio-guia teflonado de 0.035 polegadas e comprimento de 260 cm, ponta J. Rigidez
Pode ser super flexível para explorar e nevegar através de vasos difíceis ou super rígidos para dar suporte a dispositivos pesados, como uma válvula transcateter. Temos que entender que fio guia fino e delicado não combinam com cateteres e dispositivos pesados, pois eles irão se dobrar e não terão força para guiar um material pesado.
Fazendo uma analogia ao trilho do trem (o guia) e o trem (o cateter), seria o mesmo que o rodovia e seus trilhos não suportarem uma carga muito pesada. ela irá empenar.
O que confere, muitas vezes a rigidez ao fio guia, é a seu núcleo, seu corpo interno, o fio metalico central, o mandril!
Quanto maior a sua espessura, mais rígido o fio-guia será. Inclusive, essa espessura pode variar sendo o mandril (núcleo do guia) afilado (cônico), possuindo maior rigidez na extremidade proximal e mais macio na extremidade distal (o que minimiza o risco de trauma).
Exemplos de núcleos. de fio-guia. O material usado para a “contrução” desse núcleo usualmente é o aço inox ou nitinol, como já citamos.

Cateter: o tubo de entrega.

Depois do fio-guia, entra em cena o cateter. Ele é um tubo oco, geralmente feito de material plástico flexível, porém mais estruturado que o fio-guia. Ele avança sobre o fio-guia, recobrindo-o, como se estivesse deslizando sobre um trilho
Nos procedimentos, é comum o uso do jargão 'trilho'. Quando o operador diz 'faz trilho' ou simplesmente 'trilho', isso significa que o auxiliar deve segurar firmemente o fio-guia, mantendo-o estável, enquanto o cirurgião principal avança com o cateter rapidamente sobre ele. Se o cateter for empurrado sem que o fio-guia esteja firme, o fio pode avançar junto inadvertidamente, o que pode causar acidentes, como perfuração ou lesão vascular.
O cateter pode ter várias funções:
Injetar contraste.
Exemplo: cateter pig-tail na raiz da aorta durante a TAVI ou no fechamento de PCA, para realizar angiografia da aorta - avaliar leak paravalvar, posicionamento, canal arterial, etc.
Medir pressões.
Como é um tubo oco, quando dentro do vaso se a gente conectar um transdutor de pressão, poderemos avaliar a curva pressora.
Auxiliar no direcionamento das guias para acessar vasos (óstios coronarianos, artéria ilíaca, etc.) ou cruzar obstáculos (uma valva aórtica estenótica, canal artérial, por exemplo). Para esse propósito, pode ter diversas conformações e angulações em sua extremidade.
Fonte da imagem: Referência 05 Exemplo: Uso do catéter Amplatz Left 1 (AL1) de 6F para apontar o fio-guia ponta reta através da valva aórtica estenótica (veja a imagem acima). O conceito neste quesito é; escolha a conformação do cateter que possa direcionar o fio para o lugar que você deseja. neste caso, o orifício central da valva aórtica. "Outros exemplos incluem o cateter MPA (Multipurpose Access), o Judkins Right (JR) ou o cateter vertebral de 5 ou 6 F, frequentemente utilizados para cruzar o canal arterial via artéria pulmonar. Existem inúmeros tipos de cateteres. Como já mencionado, não é necessário decorar todos eles, mas sim entender qual material é mais adequado para cada tipo de procedimento.
Transportar materiais no seu interior
Como balões, stents ou próteses que seriam muito arriscado ou difícil fazer somente através da guia.
trocar o fio-guia
como retirar um hidrofílico e colocar um guia rígido de suporte, mantendo o acesso sem sangramento.
Cada formato de cateter (curvo, reto, pigtail) tem um objetivo diferente, e a escolha depende da anatomia do paciente e da etapa do procedimento.
Em Resumo:
Para finalizar, nos vídeos abaixo, apresentamos o conjunto (introdutor, cateter e guia) e os os principais tipos de introdutores, guias e cateteres empregados no fechamento percutâneo de PCA.
Introdutor: mantém o acesso vascular estável e seguro durante todo o procedimento para a troca de guias e cateteres.
Fio-guia: entra primeiro, navega e guia os catéteres e dispositivos — o “trilho” do procedimento.
Cateter: desliza sobre o fio, leva contraste, balão ou prótese até o local de interesse.
Referências:
Tóth GG, Yamane M, Heyndrickx GR. How to select a guidewire: technical features and key characteristics. Heart. 2015 Apr;101(8):645-52. doi: 10.1136/heartjnl-2013-304243. Epub 2014 Jun 17. PMID: 24939802.
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