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Anatomia cirúrgica da valva tricúspide: conceitos práticos e armadilhas cirúrgicas.

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Nesta postagem, o objetivo principal é apresentar as bases da anatomia cirúrgica da valva tricúspide e das principais estruturas anatômicas relacionadas, relevantes para o cirurgião cardiovascular, sempre estabelecendo um paralelo com conceitos cirúrgicos práticos.

A proposta é adotar uma dinâmica simples e objetiva: inicialmente, comentar cada estrutura anatômica e, em seguida, realizar uma reflexão prática sobre como esse conhecimento se aplica à rotina do cirurgião cardiovascular no centro cirúrgico.


Fonte da imagem: Referência 01.
Fonte da imagem: Referência 01.

Serão abordados os folhetos da valva tricúspide, anel tricúspide, os músculos papilares, as cordas tendíneas e as principais armadilhas cirúrgicas, com ênfase especial no sistema de condução cardíaco e na artéria coronária direita. Ficará evidente que o domínio da anatomia básica é um dos pilares fundamentais para o sucesso cirúrgico e para a prevenção de complicações evitáveis.


Ao final, caro leitor, vamos resolver uma questão no padrão SBCCV, para testar o conhecimento e revisar o assunto.


Folhetos e comissuras:

A valva tricúspide controla o fluxo do átrio direito para o ventrículo direito e é formada por três folhetos principais:

  • Anterior (o maior, também chamado de antero-superior);

  • Septal;

  • Posterior (o menor, também chamado de inferior).

Além deles, pequenos folhetos acessórios podem surgir nos ângulos entre os folhetos principais.


Notem, nesta imagem, a proporção de cada folheto: como ocorre na maioria dos casos, o folheto anterior é o maior e o posterior (ou inferior) é o menor. Além disso, observem a presença de pequenos folhetos acessórios na comissura medial.  Um conceito prático dessa anatomia: existe a técnica de bicuspidização (técnica de Kay), que reduz o anel tricúspide por meio da sutura do folheto inferior (o menor). Jamais realizar essa manobra no folheto septal ou no folheto anterior. Fonte da imagem: Referência 01.
Notem, nesta imagem, a proporção de cada folheto: como ocorre na maioria dos casos, o folheto anterior é o maior e o posterior (ou inferior) é o menor. Além disso, observem a presença de pequenos folhetos acessórios na comissura medial.  Um conceito prático dessa anatomia: existe a técnica de bicuspidização (técnica de Kay), que reduz o anel tricúspide por meio da sutura do folheto inferior (o menor). Jamais realizar essa manobra no folheto septal ou no folheto anterior. Fonte da imagem: Referência 01.
Nessa imagem (referência 06) podemos notar as duas comissuras: 1. Anterosseptal e 2. Posterosseptal.
Nessa imagem (referência 06) podemos notar as duas comissuras: 1. Anterosseptal e 2. Posterosseptal.
  • Reflexões práticas:


O folheto septal pode ser desinserido do anel tricúspide para expor a comunicação interventricular (CIV). Daí a importância de conhecer bem os limites desse folheto e ter a noção de que, em alguns casos, ele pode dificultar a visualização da CIV. Assim, uma técnica possível é realizar uma incisão próxima à sua inserção no anel e, após o fechamento da CIV, ressuturá-lo. Fonte da imagem: referência 01.
O folheto septal pode ser desinserido do anel tricúspide para expor a comunicação interventricular (CIV). Daí a importância de conhecer bem os limites desse folheto e ter a noção de que, em alguns casos, ele pode dificultar a visualização da CIV. Assim, uma técnica possível é realizar uma incisão próxima à sua inserção no anel e, após o fechamento da CIV, ressuturá-lo. Fonte da imagem: referência 01.

Folheto posterior e uma implicação prática: A Técnica de bicuspidização da valva tricúspide. Notem como o folheto posterior é plicado para reduzir o anel tricúspide.
Folheto posterior e uma implicação prática: A Técnica de bicuspidização da valva tricúspide. Notem como o folheto posterior é plicado para reduzir o anel tricúspide.
  • Quanto ao folheto anterior, por ser amplo, ele pode ser desinserido e posteriormente suturado após a redução do anel, em uma área compreendida entre os folhetos septal e posterior, por exemplo. A técnica do cone, desenvolvida pelo professor José Pedro, demonstrou a viabilidade de rotacionar esse folheto e ressuturá-lo em outra posição, mantendo sua função de impedir o refluxo de sangue para o átrio direito. Há algumas variações técnicas aplicadas ao adulto, mas não se preocupe em se aprofundar nesses detalhes agora — estamos apenas trazendo um exemplo prático.

Clique acima caso queira ler sobre a técnica do Cone aplicada para Endocardite.
Clique acima caso queira ler sobre a técnica do Cone aplicada para Endocardite.


Anel tricúspide:

Fonte da imagem: Referência 01.
Fonte da imagem: Referência 01.
  • O anel tricúspide serve de alicerce para e fixação dos folhetos.

  • Possui formato em sela, que tende a se tornar mais plano à medida que o anel se dilata, contribuindo para o desenvolvimento de insuficiência tricúspide secundária.

Fonte da imagem: referência 04.
Fonte da imagem: referência 04.
  • O anel possui uma região lateral e posterior "livre" (veja a imagem abaixo), que é mais sujeita a dilatação, pois não possui o suporte de outras estruturas tais como o trígono fibroso


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Anatomia da valva tricúspide vs. dilatação do anel fibroso.

"Quando ocorre dilatação do anel tricúspide, o anel aumenta principalmente ao longo da parede livre do ventrículo direito (Notem na imagem que a porção septal pouco dilata, por estar mais próximo do trígono fibroso direito), resultando em disfunção da coaptação dos folhetos."


  • Reflexões práticas.

    • A maioria das correções da insuficiência tricúspide secundária tem por objetivo a redução do anel valvar, evitando a região septal, pois ela pouco dilata e ainda possui proximidade com o sistema de condução (veremos essa armadilha adiante).

    • Anel tricúspide ≥40 mm (ou seja, anel muito grande) no ecocardiograma, considere fortemente realizar um anuloplastia se estiver realizando outro procedimento (uma troca ou plastia mitral, por exemplo).


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Músculos Papilares

Três grupos principais:

  • Papilar anterior: envia cordas para os folhetos anterior e posterior.

  • Papilar posterior: menor que o papilar anterior, pode ser multifragmentado, envia cordas para os folhetos posterior e septal.

  • Papilares septais: pequenos, variáveis, enviam cordas para os folhetos anterior e septal.


Seta verde: papilar anterior; Seta vermelha: papilar posterior (ou inferior); Quadrado roxo: papilares septais (notem como eles são pequenos, muitas vezes parecendo trabeculações). Fonte da imagem: Referência 01.
Seta verde: papilar anterior; Seta vermelha: papilar posterior (ou inferior); Quadrado roxo: papilares septais (notem como eles são pequenos, muitas vezes parecendo trabeculações). Fonte da imagem: Referência 01.


Cordas Tendíneas

  • Originam-se dos músculos papilares

  • Podem estar inseridos tanto nas bordas livres quanto nas superfícies ventriculares dos folhetos (observem nas imagens anteriores).


Banda Moderadora:

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  • Estrutura muscular importante do ventrículo direito:

    • contribui para o músculo papilar anterior

    • carrega fibras do sistema de condução


Clique acima para acessar o artigo.
Clique acima para acessar o artigo.


Armadilhas Importantes no Campo Cirúrgico:


Anatomia da valva Tricúspide e Ventrículo direito em um modelo 3D. O objetivo do vídeo é permitir que você perceba a proximidade íntima entre as estruturas, especialmente a relação da coronária direita com o anel mitral.
  • A tricúspide está intimamente relacionada a estruturas nobres, e isso exige extrema atenção durante reparos e implantes. Irei citar duas armadilhas principais:


1. Nó Atrioventricular (nó AV)/Sistema de condução: identifique o triângulo de Koch

Localizado próximo ao septo interatrial, adjacente ao folheto septal, no ápice do triângulo de Koch. Sua posição explica o risco de bloqueio AV durante pontos profundos no anel septal.
Localizado próximo ao septo interatrial, adjacente ao folheto septal, no ápice do triângulo de Koch. Sua posição explica o risco de bloqueio AV durante pontos profundos no anel septal.
O triângulo de Koch é delimitado pela região de fixação do folheto septal, tendão de Todaro e seio coronário. Muito cuidado ao manipular esse região ao realizar intervenções na valva tricúspide. Fonte da imagem: The Congenital Heart Institute of Florida (CHIF)
O triângulo de Koch é delimitado pela região de fixação do folheto septal, tendão de Todaro e seio coronário. Muito cuidado ao manipular esse região ao realizar intervenções na valva tricúspide. Fonte da imagem: The Congenital Heart Institute of Florida (CHIF)
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  • Reflexões práticas:

    • Devemos lembrar que em defeitos do septo interventricular e atrioventricular (DSAV) , o sistema de condução pode se encontrar em outros locais. Veja na imagem acima que no DSAV o nó AV encontra-se próximo do seio coronário. Na verdade, particulamente, evito manipular ou dar pontos profundos em qualquer região do triângulo ou muito próximo ao seio coronário.

    Notem nessa anuloplastia tricúspide, a região septal é polpada para evitar lesão no sistema de condução. Fonte da imagem: referência 05
    Notem nessa anuloplastia tricúspide, a região septal é polpada para evitar lesão no sistema de condução. Fonte da imagem: referência 05
    • Alguns cirurgiões preferem reparar a valva tricúspide (anuloplastia, por exemplo) com o coração batendo, sem cardioplegia. Assim, caso o sistema de condução seja plicado ou lesionado, é possível identificar imediatamente qualquer alteração do ritmo cardíaco (incluindo BAVT) e dessa forma retirar o ponto culpado — algo que não é possível quando o coração está parado.


2. Artéria Coronária Direita

  • Corre no sulco atrioventricular, muito próxima ao anel tricúspide (veja o vídeo no início deste tópico). Lesões podem ocorrer em suturas profundas ou manobras de redução do anel.

  • Conclusão prática:

    • Pontos profundos no anel podem causar lesão coronária direita — uma complicação evitável com atenção anatômica.


Técnica Cirúrgica: Acesso ao Átrio Direito e a Valva tricúspide:


Acesso Torácico

  • Esternotomia mediana

  • Toracotomia lateral (em MICS e casos selecionados)


Abordagem do Átrio Direito

Imagem adaptada do excelente livro, de técnica operatória, Khonsari (3).
Imagem adaptada do excelente livro, de técnica operatória, Khonsari (3).

  1. Canulação e laqueamento das veias cavas com torniquetes.

  2. Abertura do átrio direito, que pode ser:


Cuidado fundamental: Evitar que a incisão se estenda em direção ao nó sinoatrial.


Para revisar esse conteúdo, vamos fazer uma Questão de Anatomia Cirúrgica da Valva Tricúspide no Estilo SBCCV, e a resolução no padrão BIZU CCV!


Durante o reparo cirúrgico da valva tricúspide em um paciente com insuficiência tricúspide funcional secundária, o cirurgião planeja realizar uma técnica de redução do anel tricúspide. Considerando a anatomia cirúrgica da valva tricúspide, suas relações anatômicas e as principais armadilhas do campo operatório, assinale a alternativa CORRETA:


A) O folheto septal é o maior folheto da valva tricúspide e deve ser preferencialmente plicado durante a técnica de bicuspidização, pois está afastado do sistema de condução.

B) A dilatação do anel tricúspide ocorre de forma homogênea em toda a sua circunferência, incluindo a porção septal (principal local de dilatação), motivo pelo qual as suturas devem ser profundas nessa região.

C) O nó atrioventricular situa-se próximo ao folheto anterior da valva tricúspide, tornando essa região referência antômica para localizar o sistema de condução e a mais crítica durante a realização da anuloplastia ou troca valvar.

D) A técnica de bicuspidização da valva tricúspide (técnica de Kay) baseia-se na plicatura do folheto posterior (inferior), reduzindo o diâmetro do anel na sua porção mais sujeita à dilatação.

E) A artéria coronária direita encontra-se distante do anel tricúspide, não havendo risco relevante de lesão durante suturas profundas no anel.






Gabarito: D

Comentário e Discussão


Alternativa D – CORRETA

A técnica de bicuspidização da valva tricúspide (Kay descreveu a primeira técnica de anuloplastia por sutura para o tratamento da insuficiência tricúspide secundária) consiste na plicatura e exclusão do folheto posterior (inferior), que é o menor folheto e está inserido na porção livre do anel tricúspide — região mais sujeita à dilatação por não possuir suporte fibroso (como o trígono). Jamais deve ser realizada no folheto septal, devido à íntima relação dessa região com o sistema de condução (nó AV).


Alternativa A – INCORRETA

O folheto anterior é o maior, não o septal. Além disso, a região próxima a inserção do folheto septal está intimamente relacionado ao sistema de condução, especialmente ao nó AV, sendo uma região de alto risco para bloqueio AV quando submetida a pontos profundos.


Alternativa B – INCORRETA

A dilatação do anel tricúspide ocorre predominantemente na porção livre do anel tricúspide. A porção septal tem uma tendência de dilatar menos, por estar próxima ao trígono fibroso direito.


Alternativa C – INCORRETA

O nó atrioventricular e o sistema de condução localiza-se próximo a região de inserção do folheto septal, no ápice do triângulo de Koch, e não na topografia do folheto anterior.


Alternativa E – INCORRETA

A artéria coronária direita percorre o sulco atrioventricular, muito próxima ao anel tricúspide, especialmente em sua porção posterior e lateral. Suturas profundas e sem pudor podem causar lesão coronariana, sendo uma armadilha cirúrgica clássica nas intervenções da valva tricúspide.


Referências:

  1. Atlas of Cardiac Anatomy, Digital Edition © 2022 Shumpei Mori, Kalyanam Shivkumar

  2. Pourmoghadam, Kamal & Boron, Agnieszka & Ruzmetov, Mark & suguna Narasimhulu, Sukumar & Kube, Alicia & O’Brien, Michael & DeCampli, William. (2018). Septal Leaflet versus Chordal Detachment in Closure of Hard-To-Expose Ventricular Septal Defects. The Annals of Thoracic Surgery. 106. 10.1016/j.athoracsur.2018.02.083.

  3. Khonsari, Cardiac Surgery. Safeguards and Pitfalls in Operative Technique 5 ed. Philadelphia 2017.

  4. Secondary tricuspid valve regurgitation: A forgotten entity - Scientific Figure on ResearchGate. Available from: https://www.researchgate.net/figure/Figure5-Ring-annuloplasty-Left-in-diastole-Right-during-systole_fig2_283697359 [accessed 6 Jul, 2024]

  5. https://www.escardio.org/Journals/E-Journal-of-Cardiology-Practice/Volume-16/Treatment-options-for-severe-functional-tricuspid-regurgitation-indications-techniques-and-current-challenges#

  6. https://citoday.com/articles/2017-july-aug/transcatheter-tricuspid-valve-therapies



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