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Banda Anômala e Ventrículo Direito Duplo: o que você precisa saber.

Fonte própria
Fonte própria

Definição e Anatomia

O ventrículo direito duplo (DCRV – Double-Chambered Right Ventricle) é como se o ventrículo direito fosse uma sala ampla dividida por uma parede muscular que não deveria estar lá. Essa “parede” é formada por bandas musculares anômalas ou hipertrofiadas, que criam dois compartimentos dentro do ventrículo direito:

  • Câmara proximal – fica logo depois da válvula tricúspide; é a “primeira sala” que recebe o sangue, e onde a pressão é mais alta.

  • Câmara distal – localizada na saída do ventrículo (infundíbulo), próxima à válvula pulmonar; é a “segunda sala”, com pressão mais baixa, que leva o sangue aos pulmões.

Imagem didática mostrando a anatomia de um ventrículo direito normal e a formação de duas câmaras no ventrículo direito, separadas por bandas musculares anômalas.
Imagem didática mostrando a anatomia de um ventrículo direito normal e a formação de duas câmaras no ventrículo direito, separadas por bandas musculares anômalas.

Essas bandas podem se apresentar de formas diferentes — como banda septoparietal anômala, “prateleira”ou trabeculações aumentadas — mas frequentemente nascem da trabeculação septomarginal, região por onde passa parte do sistema elétrico do coração (ramo direito do feixe de His).


Montagem que humildemente preparamos para revisão da anatomia do ventrículo direito e suas bandas. À sua esquerda, vemos o ventrículo direito em posição anatômica, com barras vermelhas indicando o local onde será “cortado” para expor seu interior. A imagem à sua erquerda (o interior do VD), mostra em rosa onde estão as bandas ou feixes musculares principais do ventrículo direito, que podem se tornar anômalos e promover obstrução na via de saída dessa câmara, dividindo sua porção trabecular do infundíbulo.
Montagem que humildemente preparamos para revisão da anatomia do ventrículo direito e suas bandas. À sua esquerda, vemos o ventrículo direito em posição anatômica, com barras vermelhas indicando o local onde será “cortado” para expor seu interior. A imagem à sua erquerda (o interior do VD), mostra em rosa onde estão as bandas ou feixes musculares principais do ventrículo direito, que podem se tornar anômalos e promover obstrução na via de saída dessa câmara, dividindo sua porção trabecular do infundíbulo.

Lesões Associadas

Em 80–90% dos casos, o DCRV não vem sozinho — ele está acompanhado de outras alterações cardíacas. 


A mais comum é a Comunicação interventricular perimembranosa subaórtica (até 75% dos casos) , mas também podem ocorrer:

  • Estenose da válvula pulmonar

  • Subestenose aórtica

  • Tetralogia de Fallot

  • Dupla via de saída do VD

  • Transposição das grandes artérias

  • Anomalia de Ebstein

Imagem mostrando o aspecto ecocardiográfico da banda anômala, acompanhada de um desenho didático no qual é possível observar a CIV subaórtica posicionada imediatamente antes das bandas anômalas. Nota-se que esses feixes musculares limitam o fluxo proveniente da CIV, atuando como um verdadeiro “escudo” para evitar o hiperfluxo pulmonar.
Imagem mostrando o aspecto ecocardiográfico da banda anômala, acompanhada de um desenho didático no qual é possível observar a CIV subaórtica posicionada imediatamente antes das bandas anômalas. Nota-se que esses feixes musculares limitam o fluxo proveniente da CIV, atuando como um verdadeiro “escudo” para evitar o hiperfluxo pulmonar.

Fonte da imagem: Referência 03


Fisiopatologia

Imagine um cano por onde passa água. Se você aumenta o fluxo (como no CIV), a turbulência estimula o “engrossamento” das paredes. No coração, esse processo pode levar ao crescimento das bandas musculares anômalas (especialmente a septo-parietal e septo-marginal), estreitando o caminho do sangue e aumentando o gradiente de pressão.


  • Normalmente, esse gradiente é maior que 20 mmHg e, nos casos mais graves, ultrapassa 40 mmHg.

  • Embora seja uma condição progressiva na maioria, há relatos raros de estabilização ou até regressão espontânea.

Essa é apenas uma das hipóteses do processo, e talvez a mais simples e carismática, pois ajuda a proteger o pulmão do hiperfluxo pulmonar crônico. Mas vale salientar que não existe consenso a respeito da patogenia do processo - outras teorias e fatores são descritos na literatura.


Epidemiologia

  • Mais comum em crianças (homens duas vezes mais afetados que mulheres).


Quadro Clínico

Na fase inicial, a maioria não apresenta sintomas. O que chama atenção é o sopro sistólico ejetivo (mesossistólico), audível no bordo esternal esquerdo médio e superior.


Sintomas que podem surgir com o tempo, usualmente relacionados a sobrecarga do VD ou hipofluxo pulmonar:

  • Cianose (lábios e extremidades arroxeadas)

  • Fadiga e falta de ar aos esforços

  • Hipertensão do VD (detectada ao exame físico por “batida” no precórdio, fígado aumentado e respiração rápida)

  • Nos casos graves: síncope, arritmias e insuficiência cardíaca direita.


Diagnóstico:

  • ECG: sinais de hipertrofia do VD; possível bloqueio de ramo direito.

Eletrocardiograma de paciente portador de CIV e ventrículo direito duplo, mostrando o traçado e os critérios estabelecidos para sobrecarga e hipertrofia do ventrículo direito (fonte própria).
Eletrocardiograma de paciente portador de CIV e ventrículo direito duplo, mostrando o traçado e os critérios estabelecidos para sobrecarga e hipertrofia do ventrículo direito (fonte própria).
  • Radiografia de tórax: pode mostrar aumento de fluxo pulmonar devido a CIV ou redução (obstrução), se as bandas anômalas promovem obstrução importante.

  • Ecocardiograma: exame principal para ver as bandas, medir gradiente e acompanhar evolução.

Laudo do ecocardiograma do mesmo paciente do ECG anterior. Observa-se a descrição do fluxo dentro do ventrículo direito, evidenciando gradiente elevado na sua via de saída. Nota-se também, na conclusão, que o paciente apresentava uma CIV - associação mais comum. Adiante, veremos o aspecto cirúrgico (Fonte própria).
Laudo do ecocardiograma do mesmo paciente do ECG anterior. Observa-se a descrição do fluxo dentro do ventrículo direito, evidenciando gradiente elevado na sua via de saída. Nota-se também, na conclusão, que o paciente apresentava uma CIV - associação mais comum. Adiante, veremos o aspecto cirúrgico (Fonte própria).
Aspecto ecocardiográfico da banda anômala do ventrículo direito. Notem o estreitamento na via de saída do VD (fonte própria).
Aspecto ecocardiográfico da banda anômala do ventrículo direito. Notem o estreitamento na via de saída do VD (fonte própria).
  • Ressonância cardíaca / Angiotomografia: úteis para definir a anatomia, sobretudo em adultos ou casos complexos e duvidosos.

  • Cateterismo: hoje raramente é usado. Pode ser indicado para confirmar casos duvidosos.


Diagnóstico Diferencial

Deve-se diferenciar de:

  • Estenose valvar pulmonar

  • Tetralogia de Fallot

  • CIV isolado

  • Estenose pulmonar com CIV

  • Miocardiopatia hipertrófica obstrutiva direita


Notem que devemos contar com um ecocardiograma de confiança, realizado por profissional capacitado para detalhar a anatomia na via de saída, e diferenciar as condições acima citadas que acometem também a mesma topografia.


Caso não seja possível definir a patologia, é fundamental que o examinador comunique a equipe ou deixe claro no laudo, para que uma investigação complementar possa ser realizada e, assim, se obtenha o diagnóstico mais preciso. A depender do diagnóstico, a estratégia de tratamento pode mudar significativamente.


Indicações Cirúrgicas

Segundo Kirklin e revisões atuais:

  • Presença de sintomas (insuficiência cardíaca, cianose, limitação ao exercício) ou sinais de isquemia/strain miocárdico.

  • Gradiente intraventricular > 40 mmHg, mesmo sem sintomas, pelo risco de progressão.


A cirurgia consiste em retirar as bandas musculares e corrigir outras lesões associadas, como a CIV.


Notem, no vídeo abaixo, que o acesso foi realizado pela parede anterior do ventrículo direito, um local de fácil acesso e que proporciona boa exposição da região infundibular do VD.


Vídeo do nosso serviço, com fundo musical e edição profissional (perdão, pessoal — esse vídeo é uma relíquia que fiz no início da residência, daí o motivo de suas singularidades, kkk). Nele, vocês poderão ver o aspecto cirúrgico da banda anômala e sua dissecção realizada pelo professor Wanderley (fonte prórpria).

*Dicas Cirúrgicas:

  1. Use um Mixter para delimitar as bandas.

  2. Identifique os folhetos da tricúspide, as cordoalhas e os músculos papilares para evitar lesões nessas estruturas.

  3. Se optar por seccionar as bandas pelo átrio direito (o que é possível, mas acho difícil pra caramba), tenha muito cuidado para não se perder no plano profundo e acabar perfurando o ventrículo direito de dentro para fora.

  4. Quando for "fechar" o VD, use um patch de pericárdio para reduzir a tensão na sutura para evitar sangramento.

    * para mais dicas, assista o vídeo no final da postagem (cirurgia narrada).


Prognóstico e Seguimento

  • Cirurgia geralmente é curativa, com baixa taxa de recorrência.

  • É fundamental manter acompanhamento cardiológico regular para:

    • Detectar lesões residuais

    • Avaliar capacidade funcional

    • Monitorar possível nova obstrução, principalmente em pacientes operados na infância.


Take-home message:

  • O ventrículo direito dividido (duplo) é causado por feixes musculares (bandas) anômalos que promovem obstrução na via de saída do ventrículo direito.

  • A associação mais comum é com CIV;

    • portanto, ao avaliar um CIV não Fallot com obstrução infundibular e ecocardiograma sugestivo de obstrução dinâmica por feixes musculares, pense em ventrículo direito duplo e realize a dissecção das bandas anômalas durante a correção da CIV.


Neste vídeo apresento a narração e comentários didáticos sobre uma cirurgia de correção de comunicação interventricular (CIV) associada a ventrículo direito duplo (DCRV). Mostro o acesso ao ventrículo direito, a identificação das bandas anômalas e a importância de sua ressecção para restaurar o fluxo adequado. O conteúdo é voltado para estudantes e residentes de cirurgia cardiovascular que desejam compreender, de forma prática, os principais aspectos técnicos e anatômicos dessa técnica operatória.

Referências:

  1. Patibandla S, Horenstein MS, Kyaw H. Double-Chambered Right Ventricle. 2024 Jan 19. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan–. PMID: 31536232.

  2. Loukas M, Housman B, Blaak C, Kralovic S, Tubbs RS, Anderson RH. Double-chambered right ventricle: a review. Cardiovasc Pathol. 2013 Nov-Dec;22(6):417-23. doi: 10.1016/j.carpath.2013.03.004. Epub 2013 May 20. PMID: 23701985.

  3. Weixler, V., Kramer, P., Lindner, J. et al. Endothelial-to-Mesenchymal Transition as Underlying Mechanism for the Formation of Double-Chambered Right Ventricle. Pediatr Cardiol 43, 1084–1093 (2022). https://doi.org/10.1007/s00246-022-02828-w


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