Como Avaliar Estenose Aórtica com Critérios Discordantes? Conceitos e fluxograma atualizado.
- Laio Wanderley
- há 12 minutos
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1. Definição Tradicional da Estenose Aórtica
A estenose aórtica grave é classificada com base nos seguintes critérios ecocardiográficos:
Gradiente médio (MG) ≥ 40 mmHg;
Quanto maior a estenose, maior o gradiente. O ponto de corte para a estenose aórtica grave é 4m mmHg,
Velocidade pico transvalvar (Vpeak) ≥ 4 m/s;
Quanto maior a estenose, maior é a valocidade do fluxo de sangue que passa através da valva aórtica. O ponto de corte aqui é ≥ 4 metros por segundo;
Área valvar aórtica (AVA) < 1 cm² (ou ≤ 0,6 cm²/m²);
A área valvar é outro parâmetro importante, com ponto de corte < 1cm² para a gente considerar importante. Para o leitor menos experiente, apenas saiba que algumas dessas variáveis são usadas em outros contextos com outros pontos de corte (ex: estenose mitral). Para os mais experientes, não custa nada revisar.
Quando há os critérios acima, não tem discussão. Não importa a fração de ejeção (FE) ou padrão de fluxo (revisaremos esse conceito de maneira didática), estamos diante de um caso de Estenose aórtica Grave, e devemos proceder com a conduta mais adequada para tal caso.
Porém, até 30% dos pacientes apresentam discordância dos critérios diagnóstico acima citados, especialmente entre área valvar e o gradiente médio, tornando necessário um diagnóstico mais aprofundado e o uso de outras varíaveis. Neste resumo, vamos revisar conceitos e padrões de estenose aórtica, sempre com um visão prática.
2. Causas da Discordância entre a área valvar-gradiente médio (AVA-MG):
A discordância entre a área valvar e o gradiente pode ocorrer por diversos motivos, incluindo:
Erros de medição: subestimação do volume sistólico ou erro na medida do trato de saída do ventrículo esquerdo (LVOT).
Daí a importância de um ecocardiografista experiente em casos mais desafiadores.
Estados de baixo fluxo: a presença de baixo volume sistólico indexado (SVi < 35 mL/m²), pode reduzir artificialmente o gradiente, mesmo na presença de EAo grave.
Aqui, vale a pena comentar um pouco mais sobre o Papel do Volume Sistólico na Estenose Aórtica de Baixo Gradiente
O volume sistólico (VS) representa a quantidade de sangue ejetada pelo ventrículo esquerdo a cada batimento cardíaco. Quando esse valor é dividido pela área de superfície corporal (ASC), obtemos o volume sistólico indexado (SVi), que avalia o fluxo sanguíneo de maneira ajustada ao tamanho do paciente.
Na estenose aórtica de baixo gradiente, o gradiente médio transvalvar pode estar abaixo de 40 mmHg, apesar de uma área valvar aórtica (AVA) < 1 cm², o que gera incerteza sobre a real gravidade da estenose. Essa discordância pode ser explicada por um baixo fluxo sistólico, reduzindo a pressão exercida sobre a valva aórtica e, consequentemente, o gradiente medido.
3.Como o Volume Sistólico Ajuda no Diagnóstico?
Classificação do Fluxo: O SVi é essencial para categorizar o padrão de fluxo da estenose aórtica:
Baixo fluxo: SVi < 35 mL/m²
Fluxo normal: SVi ≥ 35 mL/m²
Diferenciação entre Estenose Aórtica Grave e Pseudograve:
Se o paciente tem baixo fluxo e baixo gradiente, pode ser difícil saber se a EAo é realmente grave ou se o gradiente está reduzido apenas pelo fluxo inadequado.
O eco de estresse com dobutamina pode ajudar a avaliar a reserva de fluxo. Se houver aumento ≥ 20% no VS e o gradiente subir para ≥ 40 mmHg mantendo AVA < 1 cm², confirma-se EAo grave verdadeira.
Se, com o aumento do VS, a AVA sobe acima de 1 cm², trata-se de EAo pseudograve, e a substituição valvar pode não ser necessária.
Escore de Cálcio na Tomografia:
Em casos duvidosos, um escore de cálcio alto (≥ 2000 AU em homens e ≥ 1200 AU em mulheres) reforça o diagnóstico de EAo grave verdadeira.
Exame com alta sensibilidade e especificidade (~85%).
Limiar mais alto (homens > 3000 UA, mulheres > 1600 UA) aumenta a especificidade.
Por outro lado, valores < 1600 UA em homens e < 800 UA em mulheres tornam improvável a presença de EAo grave.
4.Causas de Baixo Fluxo sistólico na Estenose Aórtica de Baixo Gradiente
Disfunção Sistólica do Ventrículo Esquerdo (HFrEF – FEVE < 40%)
Insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (HFrEF) pode comprometer a força contrátil do ventrículo esquerdo, reduzindo o volume de ejeção e, consequentemente, o gradiente transvalvar.
Nestes casos, a ecocardiografia de estresse com dobutamina (DSE) é essencial para avaliar a reserva de fluxo e diferenciar EAo grave verdadeira de EAo pseudograve.➡ Dica diagnóstica: Se com dobutamina o VSind aumenta ≥ 20% e o gradiente médio sobe para ≥ 40 mmHg mantendo AVA < 1 cm², confirma-se EAo grave verdadeira.
Disfunção Diastólica e Hipertrofia Ventricular (HFpEF – FEVE ≥ 50%)
Muitos pacientes com hipertrofia ventricular concêntrica (HVC) desenvolvem rigidez miocárdica, comprometendo o enchimento ventricular e reduzindo o volume sistólico.
Esse fenômeno ocorre frequentemente em pacientes com hipertensão arterial crônica, cardiomiopatia infiltrativa (amiloidose).
Mesmo com fração de ejeção preservada, a capacidade de ejeção efetiva pode estar reduzida, levando ao baixo fluxo paradoxal na EAo grave.
➡ Dica diagnóstica: Nestes casos, a tomografia com escore de cálcio da valva aórtica é útil para confirmar a gravidade da estenose.
5. Padrões de Fluxo-Gradiente e Estratégias Diagnósticas
Os pacientes com EAo podem ser classificados em diferentes padrões de fluxo e gradiente.
Do ponto de vista didático, lembre-se e veja no laudo do ECO essas 04 informações principais:
SVi:
Se o SVi for <35, pense em baixo fluxo, se ≥ 35, fluxo normal .
Gradiente médio
Se o gradiente for <40, pense em baixo gradiente, se ≥ 40, gradiente elevado!
FE
E a FE, vai te ajudar a refletir no padrão de fluxo baixo, que pode ser por queda da função sistólica (FE reduzida) ou diastólica (FE normal).
Área valvar (AVA)
Quanto a área valva, pense sempre que ela deverá estar ≤ 1 cm² para a gente definir a estenose como grave. Se estiver acima disso, pode ser, como veremos adiante uma falsa EAo ou um padrão descordante.
Abaixo, segue 6 possibilidades de padrões e resultados:
A. EAo Grave de Baixo Fluxo e Baixo Gradiente com fração de ejeção preservada ("Paradoxal")
Gradiente médio < 40 mmHg, SVi ≤ 35 mL/m², fração de ejeção ≥ 50%
Motivo do termo "paradoxal"
Em pacientes com FEVE normal e estenose aórtica grave, o esperado seria um SVi normal e gradiente alto (≥40 mmHg). No entanto, em alguns pacientes, de maneira incoerente,contraditória (ou seja, paradoxal), o SVi e gradiente médio é baixo, apesar de a válvula estar severamente estenosada e a FE normal.
Frequentemente associada a hipertrofia ventricular concêntrica e disfunção diastólica.
Confirmado por: Tomografia com escore de cálcio da valva aórtica.
B. EAo Grave de Baixo Fluxo e Baixo Gradiente Clássico com fração de ejeção reduzida (Com Reserva de Fluxo)
Gradiente médio < 40 mmHg, SVi ≤ 35 mL/m², fração de ejeção < 50%
Dobutamina Stress Echo (DSE): Se houver aumento do fluxo ≥ 20% e MG subir para ≥ 40 mmHg, confirma-se EAo grave.
Confirmado por: DSE positivo (MG sobe, AVA continua < 1 cm², se subir acima disso, é uma falsa estenose importante).
C. EAo Grave de Baixo Fluxo e Baixo Gradiente com fração de ejeção reduzida (Sem Reserva de Fluxo)
Fraçāo de ejeção reduzida (< 40%), mas sem aumento significativo do fluxo e gradiente com dobutamina.
DSE inconclusivo, pois ainda restará a dúvida se o gradiente não se elevou por falta de fluxo. Nesses casos, temos que recorrere mais vez a tomografia.
Confirmado por: Escore de cálcio da valva aórtica na tomografia: ≥ 2000 Agatston em homens ou ≥ 1200 em mulheres indica EAo grave.
D. EAo "Pseudograve"
O prefixo pseudo, revela que essa estenose não é importante, é falsa!
Isso ocorre quando o DSE mostra aumento de fluxo ≥ 20% e a área valvar sobe acima de 1 cm². Indica que a valva não é realmente estenosada de maneira importante.
Devemos lembrar que quando o fluxo através da valva é baixo, ela pouco “dilata” na sístole, tornando a área baixa, podendo falsear o exame.
A conduta aqui é ser mais conservador, e não indicar intervenção de imediato.
E. EAo Grave de Fluxo Normal e Baixo Gradiente com fração de ejeção preservada
Gradiente médio < 40 mmHg, AVA ≤ 1 cm², fração de ejeção ≥ 50% mas fluxo normal (SVi > 35 mL/m²) .
Neste caso, há um discondância entre o fluxo (normal) e 0 gradiente (baixo, que em tese, deveria ser alta já que a FE é normal). Confirmado por: Escore de cálcio elevado na tomografia.
F. EAo de alto gradiente discordante
Gradiente médio ≥ 40 mmHg, AVA > 1 cm²).
Pacientes com EAo de fluxo normal e baixo gradiente discordante geralmente apresentam estenose moderada.
6. Ferramentas Diagnósticas Importantes
A. Ecocardiografia de Estresse com Dobutamina (DSE)
Indicação: Diferenciar EAo grave verdadeira de EAo pseudograve em pacientes com fração de ejeção reduzida.
Resultados possíveis:
EAo Grave Verdadeira: MG sobe ≥ 40 mmHg, AVA continua < 1 cm².
EAo Pseudograve: AVA aumenta > 1 cm² com fluxo aumentado.
B. Escore de Cálcio da Valva Aórtica (Tomografia Computadorizada)
Útil quando o DSE é inconclusivo ou em pacientes com fração de ejeção preservada e baixo fluxo.
Valores de corte para EAo grave:
≥ 2000 AU em homens.
≥ 1200 AU em mulheres.
7. Implicações Clínicas
A correta classificação da gravidade da EAo é essencial para decidir sobre a troca valvar aórtica (TAVI ou cirurgia).
A imagem multimodal (eco-Doppler, DSE, tomografia) é frequentemente necessária para um diagnóstico definitivo.
Conclusão
A discordância entre AVA e MG pode ser causada por erros de medição, baixo fluxo sistólico ou fatores anatômicos. Para confirmar a EAo grave verdadeira, são utilizadas estratégias diagnósticas combinadas, incluindo:
Ecocardiografia com dobutamina, quando a fração de ejeção está reduzida.
Escore de cálcio na tomografia, para pacientes com dúvidas diagnósticas.
Isso assegura que os pacientes certos recebam a substituição valvar aórtica, evitando procedimentos desnecessários.
Agora que você revisou os conceitos e padrões da estenose aórtica, volte ao fluxograma da diretriz no início da postagem e adote a conduta mais assertiva para o caso que você eventualmente encontrou na sua prática clínica.
Referência:
Fabien Praz, Michael A Borger, Jonas Lanz, Mateo Marin-Cuartas, Ana Abreu, Marianna Adamo, Nina Ajmone Marsan, Fabio Barili, Nikolaos Bonaros, Bernard Cosyns, Ruggero De Paulis, Habib Gamra, Marjan Jahangiri, Anders Jeppsson, Robert J M Klautz, Benoit Mores, Esther Pérez-David, Janine Pöss, Bernard D Prendergast, Bianca Rocca, Xavier Rossello, Mikio Suzuki, Holger Thiele, Christophe Michel Tribouilloy, Wojtek Wojakowski, ESC/EACTS Scientific Document Group , 2025 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease: Developed by the task force for the management of valvular heart disease of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS), European Heart Journal, Volume 46, Issue 44, 21 November 2025, Pages 4635–4736, https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehaf194










































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