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Procedimento Híbrido na cardiopatia congênita: materiais e técnica cirúrgica híbrida

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Começo este artigo relembrando duas publicações anteriores nossas que abordam o procedimento híbrido, com foco especial na interrupção do arco aórtico. Nos links abaixo (é só clicar), você poderá revisitá-las e revisar grande parte do conteúdo relacionado.



Nesta nova postagem, vamos complementar o tema. Discutiremos a indicação na hipoplasia do coração esquerdo (vale salientar que o conceito é semelhante), e traremos aspectos práticos, como os materiais utilizados e a técnica cirúrgica empregada.


Visão Geral do Procedimento Híbrido na Síndrome de Hipoplasia do Coração Esquerdo (SHEC)


A Síndrome de Hipoplasia do Coração Esquerdo (SHEC) – em inglês Hypoplastic Left Heart Syndrome (HLHS) – é uma cardiopatia congênita crítica caracterizada por subdesenvolvimento acentuado das estruturas do coração esquerdo.


O manejo clássico envolve paliação cirúrgica em estágios (cirurgia de Norwood, Glenn, Fontan), porém essas abordagens apresentam alto risco em recém-nascidos de clinicamente complexos (baixo peso <3 kg, aorta <2 mm de diâmetro, por exemplo). Como alternativa, desenvolveu-se o procedimento híbrido, combinando técnicas cirúrgicas e de cateterismo, para realizar a primeira etapa de paliação sem circulação extracorpórea.


No Estágio 1 Híbrido, originalmente descrito em 1993, realiza-se a bandagem bilateral das artérias pulmonares seguida do implante de um stent no canal arterial, mantendo-o patente para garantir o fluxo sistêmico. Esse procedimento é feito ainda no período neonatal, evitando o uso de circulação extracorpórea.


Também é fundamental assegurar uma comunicação interatrial não restritiva, para que haja adequado fluxo do átrio esquerdo para o átrio direito. Após alguns meses, prossegue-se para o estágio seguinte, mas aqui focaremos apenas no procedimento híbrido inicial e, em especial, nos aspectos práticos do procedimento


OBJETIVOS DO PRIMEIRO ESTÁGIO HÍBRIDO:

  1. Manter um fluxo sistêmico desobstruído através do canal arterial — obtido por meio do implante de stent no ducto arterioso (PDA).

  2. Equilibrar os fluxos pulmonar e sistêmico — alcançado com a bandagem (cerclagem) das artérias pulmonares.

  3. Garantir uma comunicação interatrial sem restrição de fluxo — caso o defeito do septo atrial (CIA) seja restritivo em pacientes com hipoplasia do ventrículo esquerdo, é necessário realizar sua ampliação (atrioseptostomia).


LOCAL DO PROCEDIMENTO

  1. Sala cirúrgica híbrida 

  2. Sala cirúrgica convencional com arco em C de fluoroscopia.


DICAS DO PRÉ-OPERATÓRIO:

  1. Avaliar o diâmetro e anatomia do canal arterial pelo ECO e AngioTC (se disponível) para presumir o calibre do stent. Somar esses dados com o diâmetro encontrado na fluoroscopia.

  2. Avaliar também o arco aórtico. Devemos lembrar quando o arco é extremamente hipoplásico, o stent pode agravar a obstrução ao empurar o canal contra o arco distal - o que pode ser fatal no paciente que depende de fluxo retrógado.


MATERIAIS USADOS NO PROCEDIMENTO:

Prótese vascular de PTFE 3 ou 3.5 mm:

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  • 3 mm se peso abaixo de 3 Kg

  • 3.5 mm se peso acima de 3 kg


Introdutor 5F ou 6F

Exemplo de introdutor 6F.
Exemplo de introdutor 6F.

Fio Guia: 

  • Fio guia V-18 Control Hidrofílico - 0,014 ou 0,018 polegadas

    • Pode ser usado para cruzar o canal e navegar,

Essa guia acima tem uma ponta de 8 cm hidrofílica e o resto é bem firme e não escorregadia (o que ajuda na estabilização da guia na posição). Usualmente apenas essa guia é suficiente para cruzar o canal e implante do stent.
Essa guia acima tem uma ponta de 8 cm hidrofílica e o resto é bem firme e não escorregadia (o que ajuda na estabilização da guia na posição). Usualmente apenas essa guia é suficiente para cruzar o canal e implante do stent.
  • Abbott 1001311 HI-TORQUE IRON MAN Guide Wire 0.014" - outra opção para entrega e suporte do balão


Stents possíveis de serem usados. 

  • Podem ser usados stens auto-expansível ou balão expansíveis. Usualmente, o segundo é mais usado.

    • Ao solicitar o material, estudo bem o modelo e diâmetros vs. comprimentos disponíveis

  • Canais pequenos, podemos usar stents de coronária (especialmente quando o diâmetro do canal for menor que 4.5 mm).

  • Os stents não são dedicados ao uso em canal arterial. Dessa forma, não devemos estranhar, se ao ler as instruções de uso, haver informações de uso periférico.

  • Solicite Diâmetros e comprimentos dos stents  de 5 mm a 10 mm e de 8 mm a 15 mm, respectivamente.

    • O ideal é ter a grade completa disponível, mas não será incomum encontrar grades de stents com diâmetro máximo de 7 mm.

  • Com base no comprimento e no diâmetro do ducto, é escolhido um stent de 1 a 2 mm maior em diâmetro que a maior dimensão do ducto e suficientemente longo para cobrir todo o seu comprimento.


Modelos de Stents sugeridos na literatura:

  • Expresses Vascular SD, da Boston.

Usamos em um caso a grade e modelo de stent acima (pré-montado balão expansível). Observem que a grade tem diâmetro máximo de 7 mm. Pelo ECO e AngioTC, foi avaliado um canal de 5 mm, tornando o procedimento possível. Porém, canais maiores, e de maneira ideial, é bom ter a grade até 10 mm.
Usamos em um caso a grade e modelo de stent acima (pré-montado balão expansível). Observem que a grade tem diâmetro máximo de 7 mm. Pelo ECO e AngioTC, foi avaliado um canal de 5 mm, tornando o procedimento possível. Porém, canais maiores, e de maneira ideial, é bom ter a grade até 10 mm.
Na imagem acima podemos ler as especificações do material. Observem que o introdutor recomendado  para introdução do stent é de 5-6F (usamos 6F habitualmente); Pressão para atingir o diâmetro nominal  é de 10 atm.
Na imagem acima podemos ler as especificações do material. Observem que o introdutor recomendado para introdução do stent é de 5-6F (usamos 6F habitualmente); Pressão para atingir o diâmetro nominal é de 10 atm.
  • Palmaz Blue .014 Peripheral Stent System.

  • Palmaz Genesis

  • Cordis Medical 180

  • Herculink;

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  • Express vascular LD;

  • Dynamic;

  • Orsiro.


Insuflador - olhar a tabela do ATM vs. Diâmetro nominal

Esse material vem com uma agulha para puncionar o introdutor e avançar a guia, que por ser 0,014 ou 0,018 é muito delicada para ser inserida diretamente.
Esse material vem com uma agulha para puncionar o introdutor e avançar a guia, que por ser 0,014 ou 0,018 é muito delicada para ser inserida diretamente.

Passos do Procedimento:

Dicas:

  • Realizar a bandagem dos ramos pulmonares antes do implante do stent. Após o implante, dissecar e bandar o ramo pulmonar esquerdo torna-se arriscado, com risco de perfuração e distorção anatômica.

  • Evitar a introdução de cateteres no coração esquerdo hipoplásico. Distorções provocadas pelos guias na valva tricúspide ou pulmonar podem causar instabilidade hemodinâmica e lesões valvares.


  • Etapa cirúrgica:  

    • Esternotomia mediana

    • Confeccionar bandas para o ramos pulmonares

      • O comprimento das bandas e consequente raio e diâmetro são calculados conforme o peso do paciente.

      • Usar Prótese vascular de PTFE 3 ou 3.5 mm

        • 3 mm se peso abaixo de 3 Kg

        • 3.5 mm se peso acima de 3 kg 

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    • Esternotomia mediana;

    • Pericardiotomia alta em T invertido, o suficiente para expor os vasos da base e o canal arterial;

    • Realizar a bandagem dos ramos pulmonares direito e esquerdo;

  • Ramo direito

    • Exposição relativamente simples, entre a aorta ascendente e a veia cava superior, proximal à origem da artéria pulmonar superior direita.

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  • Ramo Esquerdo:

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    • Exposição mais difícil.

    • Dar Pontos de reparo e tracionar a artéria pulmonar para a direita (ajuda na exposição).

    • Um pequeno coxim de gaze pode ajudar a deslocar a aurícula esquerda, que normalmente repousa sobre o ramo pulmonar esquerdo.

  

  • Etapa Endovascular:  

    • Dupla bolsa com fio Prolene 6.0 no tronco da artéria pulmonar.

    • Cateterização do tronco da pulmonar com introdutor 6-7 Fr.

      • Introduzir o mínimo possível de introdutor na artéria pulmonar. Isso facilitará a cateterização e implante do stent no canal.

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Macete para limitar a profundidade do introdutor na artéria pulmonar. Podemos usar uma régua para amarrar exatamente no comprimento desejado (2 mm). Esse cuidado evita que o introdutor se projete para o canal arterial, o que irá dificultar a liberação do stent.
Macete para limitar a profundidade do introdutor na artéria pulmonar. Podemos usar uma régua para amarrar exatamente no comprimento desejado (2 mm). Esse cuidado evita que o introdutor se projete para o canal arterial, o que irá dificultar a liberação do stent.

  • A fluoroscopia é posicionada em uma incidência lateral ou oblíqua lateral (perfil) de forma a alongar totalmente o ducto, evitando sobreposições. Essa projeção lateral evidencia o trajeto completo do canal arterial desde sua origem na bifurcação pulmonar até sua inserção na aorta descendente, permitindo medidas precisas do comprimento e diâmetro interno mínimo do ducto.

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  • Injeção de contraste (diluir o contraste 50% ou 33%) no tronco pulmonar por meio do introdutor para estudo da anatomia do defeito.

    • Projeção angiográfica: Indicência em perfil.

    • Após a injeção, realizar as medidas de comprimento e diâmetro do canal.

Fonte da imagem: referencia 04
Fonte da imagem: referencia 04
  • Passagem de guia através do canal arterial

    • Exemplos de guias

      • Fio guia V-18 Control Hidrofílico - 0,014 ou 0,018

      • Abbott 1001311 HI-TORQUE IRON MAN Guide Wire 0.014"

  • Seleção do stent baseado nas medidas do canal arterial - O comprimento e diâmetro do stent irá variar conforme a anatomia do canal arterial.

    • Exemplos de stents usados

      • Palmaz Blue .014 Peripheral Stent System, Cordis Medical 180 - diâmetros e comprimentos dos stents -  de 5 mm a 10 mm e de 8 mm a 15 mm, respectivamente.

      • Outro modelo

        • Stent Express Vascular SD Monorail 5F - Premonted - possui diâmetro máximo de 7 mm. Então cuidado se o canal for muito grande.

      •  Diâmetro do stent: Deve superar ligeiramente o diâmetro interno máximo do ducto para assegurar patência completa. Em neonatos, costumam-se usar stents de 3,5 a 4,5 mm de diâmetro, escolhendo valores maiores para ductos mais calibrosos ou conforme o peso do paciente (maior peso, maior diâmetro suportado). Oversizing excessivo deve ser evitado para não causar dissecção ou rompimento do ducto.

      • Comprimento do stent: Idealmente o stent deve cobrir toda a extensão do canal arterial, desde a origem na bifurcação pulmonar (logo após a artéria pulmonar esquerda) até a junção com o arco aórtico.

        • Recomenda-se que o stent se estenda ~1–2 mm além da extremidades do ducto, sem progredir significativamente para dentro da

        • Isso assegura que não haja segmentos do ducto sem stent (que poderiam se fechar) e evita que a malha metálica obstrua o lúmen aórtico ou dificulte futuras.

        • Como boa parte dos stents premontados modernos praticamente não encurtam ao expandir (foreshortening <1%), o comprimento selecionado pode corresponder diretamente ao comprimento medido do (por exemplo, ducto de 15 mm, stent de 15 mm).

        • Em casos de ducto muito longo ou tortuoso, pode ser necessário implantar dois stents.

  • Implante de Stent no canal arterial guiado por Fluoroscopia

    • Sob fluoroscopia , o stent é manipulado até a posição desejada.

    • Pequenas injeções de contraste pelo introdutor auxiliarão a verificar que as extremidades do stent cobrem adequadamente o ducto, sem invadir o ramo da artéria pulmonar esquerda proximal ou protruir no arco.

    • Com o stent posicionado, insufla-se gradualmente o balão do stent até atingir a pressão nominal para o calibre do stent.

      • Uma técnica útil é inflar inicialmente de forma parcial, criando um formato de “osso de cão” (balão expandido nas pontas e estreito no meio) que ancora as extremidades sem expandir. Isso permite últimos ajustes finos na posição antes da expansão completa.

    • Realiza-se uma angiografia de controle, normalmente na mesma projeção lateral, para avaliar o resultado.

    • Verifica-se também se não houve comprometimento dos ramos das artérias pulmonares (especialmente a esquerda) na região próxima ao stent, e se o arco aórtico está pérvio sem obstrução pelo stent.

    • Caso seja identificado algum segmento do ducto não coberto (por exemplo, se o stent inicial foi muito curto), pode-se implantar um segundo stent sobreposto na mesma sessão para garantir cobertura.

    • Pequenas pós-dilatações com balões de maior diâmetro também podem ser feitas se o stent não expandiu totalmente ou se há discrepância de calibres.

    • Uma vez satisfeitos com o resultado angiográfico, remove-se cuidadosamente o conjunto cateter/guia sob fluoroscopia.

    • Após remoção do introdutor da artéria pulmonar, proceder a hemostasia e fechamento da ferida operatória.


Se quiser assistir algumas etapas deste procedimento, caro leitor, temos o vídeo acima no nosso Youtube.

Referências: 1. Fate of the Ductal Stent After Hybrid Palliation for Hypoplastic Left Heart SyndromeBaba, Kenji et al.The Annals of Thoracic Surgery, Volume 95, Issue 5, 1660 - 1664

  1. SIEVERT, Horst; QURESHI, Shakeel A.; WILSON, Neil; HIJAZI, Ziyad M. (Eds.). Percutaneous Interventions for Congenital Heart Disease. Boca Raton: CRC Press, 2007.

  2. The Hybrid Approach to Hypoplastic Left Heart SyndromeGalantowicz, MarkOperative Techniques in Thoracic and Cardiovascular Surgery, Volume 14, Issue 2, 74 - 85

    1. Fonte das imagens

  3. Akay E, Işık O, Engin AY, Çakır V. Stage 1 hybrid palliation of hypoplastic left heart syndrome: an initial experience in pulmonary trunk approach, procedural modifications, and complication management. Turk J Med Sci. 2019 Oct 24;49(5):1374-1380. doi: 10.3906/sag-1903-143. PMID: 31549495; PMCID: PMC7018386.




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