top of page

Insuficiência Renal pós Cirurgia Cardíaca (Fisiopatologia)


ree

Insuficiência renal aguda (IRA) é uma condição clínica caracterizada pela súbita deterioração da função renal, manifestando-se por uma diminuição da filtração glomerular com consequente redução de diurese e acúmulo de escórias nitrogenadas [1].

É comum em pacientes no pós operatório de cirurgia cardíaca, com incidência na literatura variando de 3% a 94%, com média de 20-30%, de acordo com o tipo de cirurgia realizada e do critério de definição de IRA adotado. Até 7% desses pacientes necessitarão de hemodiálise [1,2]. IRA é fator independente de aumento de tempo de estadia em UTI, no hospital, e de mortalidade [1-4].

Há vários escores para avaliar IRA na atualidade, sendo os mais utilizados em UTI o AKIN, RIFLE e o KDIGO – caracterizando IRA quando há aumento de 0.3mg/dl de creatinina em 48 horas, aumento de 50% do valor de base de creatinina em sete dias ou débito urinário menor que 0.5ml/kg/h em seis horas [1].

Mecanismo da lesão

A fisiopatologia por trás da IRA na cirurgia cardíaca é multifatorial e ainda não totalmente entendida. Os fatores incluem: pré disposição genética, condições clínicas prévias, isquemia / reperfusão, hemólise, alterações de fluxo, estresse oxidativo, embolias e inflamação [1,2,3,5].

ree

The pathophysiology of cardiac surgery-associated acute kidney injury (CSA-AKI).

Pacientes com comorbidades como doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca, diabetes mellitus tipo 2 e doenças renais crônicas prévias estão em maior risco de desenvolver IRA pós operatória, por já possuírem uma função renal decaída devido à patologia de base [1,2].

Outro fator importante é a injúria renal prévia à cirurgia causada por contrastes usados em meios diagnósticos, ou por ateroembolismo causado por esses, levando a má perfusão e inflamação renal [1,3,5].

O amplo uso de medicações com potencial nefrotoxicidade no peri-operatório também contribui para o aparecimento de IRA na UTI após a cirúrgica. Ainda sobre medicações, a antibioticoprofilaxia dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca frequentemente envolve o uso de medicações conhecidas por sua nefrotoxicidade, como a vancomicina, o que também contribui para o dano renal [1,5].

ree

Fonte: Acute Kidney Injury Associated with Cardiac Surgery: a Comprehensive Literature Review.

Fatores de risco no intra operatório

Durante a cirurgia, vários fatores podem contribuir para lesão renal. Cirurgia com circulação extracorpórea (CEC) expõe o sangue à superfície artificial dos circuitos, causando hemólise e ativação do complemento. Isso acarreta em depósito de hemoglobina na vasculatura intra tubular renal, inflamação e dano por radicais livres [2,6,7].

A hemodiluição pelo prime da CEC diminui o hematócrito que por sua vez reduz o carregamento de oxigênio para órgãos, contribuindo para isquemia e dano renal [1,2.5].

ree

Principais fatores de risco associados à IRA na CEC. Cardiopulmonary bypass-associated acute kidney injury.

As alterações do fluxo causadas pela CEC podem diretamente influenciar na lesão renal. As mudanças do tono vaso motor podem causar até 30% de diminuição da perfusão renal [2]. Quanto à mudança do fluxo pulsátil para o linear, ainda é controverso na literatura sua influência na lesão renal [3].

Vários estudos demonstram que o tempo de CEC é fator independente para o desenvolvimento de IRA pós operatória [3,6,7]. O tempo específico no qual o risco de IRA aumenta ainda é desconhecido; alguns estudos apontando maior risco após 90-115 minutos [6,7,8].

ree

Circulação extracorpórea.

Outro fator modificável durante a cirurgia é a temperatura. A literatura é controversa sobre o efeito causado pela hipotermia. Porém, um ensaio clínico randomizado com 223 pacientes divididos em grupos de reaquecimento a 34ºC ou 37ºC mostrou maior chance de desenvolvimento de IRA no grupo reaquecido a 37ºC - o que pode ser devido à velocidade do reaquecimento desbalanceando a oferta / demanda de oxigênio renal [9].

Leve em consideração que a definição usada para IRA nesse trabalho foi de aumento de 25% do nível de creatinina, e que esse trial foi inicialmente realizado para avaliar o efeito da temperatura nos desfechos neurológicos, portanto pode não ter incluído número adequado de pacientes para demonstrar efeitos renais.

Fatores de risco no pós operatório

Após cirurgia, condições que aumentam o risco de IRA são instabilidade hemodinâmica, uso de drogas vasoconstrictoras, inflamação sistêmica e disfunção ventricular esquerda [1].

Sangramento também é um importante fator, visto que pode contribuir para instabilidade hemodinâmica e cursar com queda de hemoglobina, aumentando ainda mais a isquemia renal [5].

ree

Concentrado de hemácias - Seja um doador você também!

Um recente grande estudo observacional com 1210 pacientes, levantou a hipótese de associação entre transfusão sanguínea e insuficiência renal. Nesse estudo, a transfusão de mais de 2 concentrados de hemácias foi associada ao dobro de risco de IRA. Porém, por ser estudo observacional, a associação causal entre IRA e hemotransfusão não pode ser totalmente confirmada [10].

ree

Blood transfusions are associated with urinary biomarkers of kidney injury in cardiac surgery.

Nos próximos posts iremos falar sobre a prevenção e o manejo da insuficiência renal no pós-operatório de cirurgia cardíaca! Fiquem atentos!

Referências

1- Harky A, Joshi M, Gupta S, Teoh WY, Gatta F, Snosi M. Acute Kidney Injury Associated with Cardiac Surgery: a Comprehensive Literature Review. Braz J Cardiovasc Surg. 2020;35(2):211-224. Published 2020 Apr 1. doi:10.21470/1678-9741-2019-0122.

2- Kumar AB, Suneja M. Cardiopulmonary bypass-associated acute kidney injury. Anesthesiology. 2011;114(4):964-970. doi:10.1097/ALN.0b013e318210f86a.

3- Mao H, Katz N, Ariyanon W, Blanca-Martos L, Adybelli Z, Giuliani A, et al. Cardiac surgery-associated acute kidney injury. Blood Purif. 2014;37 Suppl 2:34-50. doi:10.1159/000361062.

4- Hobson CE, Yavas S, Segal MS, Schold JD, Tribble CG, Layon AJ, et al. Acute kidney injury is associated with increased long-term mortality after cardiothoracic surgery. Circulation. 2009;119(18):2444-53. doi:10.1161/CIRCULATIONAHA.108.800011.

5- Bellomo R, Auriemma S, Fabbri A, D'Onofrio A, Katz N, McCullough PA, et al. The pathophysiology of cardiac surgery-associated acute kidney injury (CSA-AKI). Int J Artif Organs. 2008;31(2):166-78. doi:10.1177/039139880803100210.

6- Kumar AB, Suneja M, Bayman EO, Weide GD, Tarasi M. Association between postoperative acute kidney injury and duration of cardiopulmonary bypass: a meta-analysis. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2012;26(1):64-69. doi:10.1053/j.jvca.2011.07.007

7- Taniguchi FP, Souza AR, Martins AS. Cardiopulmonary bypass time as a risk factor for acute renal failure. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2007;22(2):201-205. doi:10.1590/s0102-76382007000200008.

8- Salis S, Mazzanti VV, Merli G, et al. Cardiopulmonary bypass duration is an independent predictor of morbidity and mortality after cardiac surgery. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2008;22(6):814-822. doi:10.1053/j.jvca.2008.08.004

9- Boodhwani M, Rubens FD, Wozny D, Nathan HJ. Effects of mild hypothermia and rewarming on renal function after coronary artery bypass grafting. Ann Thorac Surg. 2009;87(2):489-495. doi:10.1016/j.athoracsur.2008.10.078

10- Khan UA, Coca SG, Hong K, et al. Blood transfusions are associated with urinary biomarkers of kidney injury in cardiac surgery. J Thorac Cardiovasc Surg. 2014;148(2):726-732. doi:10.1016/j.jtcvs.2013.09.080

Comentários


Posts Em Destaque
Posts Recentes
bottom of page