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Defeito do Septo Interventricular (CIV) – da anatomia à técnica cirúrgica (resumão)

Atualizado: 18 de jun.


Fonte da imagem: Referência 01


Caro Leitor, este Resumo é Baseado em diretrizes, no livro do professor Kirklin, anotações e observações cirúrgicas. Espero que te agrade.


LOCALIZAÇÃO DA CIV (Classificação anatômica – Guideline ESC 2020)

Vários locais possíveis no septo interventricular, agrupados em quatro principais:

  • Perimembranosa/paramembranosa/conoventricular

    • Mais comum (80% das CIVs)

    • Localizada no septo membranoso, com possível extensão para septo de entrada (inlet), trabecular ou de saída (outlet).

    • Fica adjacente às valvas tricúspide e aórtica.

    • Aneurismas do septo membranoso são frequentes e podem levar ao fechamento parcial ou completo.

    • Cirurgia: Bem acessível via átrio direito.

  • Muscular/trabecular

    • Representa 15–20% das CIVs.

    • Totalmente cercada por músculo, podendo estar em vários locais do septo.

    • Frequentemente múltiplas.

    • Fechamento espontâneo ocorre com maior frequência.

    • Cirurgia: Defeito apical muscular pode ser acessado por incisão ventricular paralela à DA.

  • Outlet/supracristal/subarterial/subpulmonar/infundibular/conal/doubly committed juxta-arterial

    • Cerca de 5% dos casos.

    • Localizada abaixo das valvas semilunares (conal/outlet).

    • Frequentemente associada a insuficiência aórtica por prolapso da cúspide aórtica (geralmente cúspide coronariana direita).

    • CIV justaarterial: Não há septo infundibular entre a valva aórtica e pulmonar — ficam coladas, sem septo dividindo-as.

  • Inlet/canal atrioventricular (AV)/ Tipo defeito do septo atrioventricular (AVSD)

    • Localizada na entrada do septo ventricular, imediatamente abaixo do aparato valvar AV.

    • Associada tipicamente à síndrome de Down.


COMPLICAÇÕES & HISTÓRIA NATUAL

Possíveis problemas ao longo da evolução natural:

  • Endocardite:

    • Até 2 por 1000 pacientes/ano (6x mais que a população normal).

  • Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC):

    • Pelo aumento da pressão sistólica e diastólica do VE, pode haver aumento progressivo do shunt E→D, levando à sobrecarga volumétrica do VE e, com o tempo, à insuficiência cardíaca. Nestes casos, a indicação é de fechamento do defeito.

  • Ventrículo Direito de Dupla Câmara (DCRV):

    • Pode se desenvolver pelo jato de alta velocidade do VSD, levando à formação de uma via de saída muscular acessória no VD.

  • Prolapso da cúspide aórtica:

    • Há risco de comprometimento da cúspide coronariana direita (ou não-coronariana) da valva aórtica, evoluindo para insuficiência aórtica progressiva.

As imagens acima demonstram os mecanismos da insuficiência aórtica no paciente portador de comunicação interventricular.


AVALIAÇÃO ECOCARDIOGRÁFICA vs. TAMANHO DA CIV.

Avaliação do tamanho da CIV pelo ecocardiograma (exame básico e fundamental para o diagnóstico): Relação Diâmetro da CIV vs. Anel valvar aórtico; Fluxo e Gradiente .

  • CIV Grande:

    • Diâmetro da CIV ≥75% do anel aórtico.

    • Fluxo de baixa velocidade no Doppler (≤1 m/s).

    • Gradiente baixo (<25 mmHg):

      • CIV não restritiva/grande (pressão dos ventrículos praticamente igual, fluxo importante da esquerda para a direita).

      • Maior risco de insuficiência cardíaca, hipertensão pulmonar e complicações.

    • Conduta: geralmente, indicação cirúrgica para fechamento do defeito, especialmente em pacientes sintomáticos ou com repercussão hemodinâmica.

  • CIV Moderada:

    • Diâmetro entre 33–75% do anel aórtico.

    • Velocidade de fluxo 1–4 m/s (moderada restrição).

    • Gradiente entre 25 e 60 mmHg:

      • CIV moderadamente restritiva.

      • Pode haver repercussão hemodinâmica moderada, dependendo do tamanho do defeito e do volume do shunt.

    • Conduta: avaliar caso a caso; cirurgia pode ser considerada se houver repercussão clínica ou hemodinâmica (ex: dilatação de câmaras, sintomas, hiperfluxo pulmonar).

  • CIV Pequena:

    • Diâmetro <33% do anel aórtico.

    • Fluxo de alta velocidade (≥4 m/s).

    • Gradiente >64 mmHg:

      • CIV pequena/restritiva (shunt pequeno, pouco fluxo da esquerda para a direita).

      • Geralmente, sem repercussão hemodinâmica significativa.

    • Conduta: acompanhamento clínico e ecocardiográfico na maioria dos casos, sem indicação cirúrgica imediata.

  • Observação:

    • Aumentos de resistência pulmonar (Rp) ou obstrução da via de saída do VD → reduzem a velocidade do fluxo na CIV.


Importante:

  • O valor do gradiente depende do alinhamento correto do Doppler ao fluxo do jato. Caso contrário, pode haver subestimação do gradiente.

  • Utilizar múltiplas janelas e cortes ecocardiográficos para obter o valor mais próximo do real.

  • A conduta cirúrgica é guiada não apenas pelo ECO, mas também pela presença de sintomas, dilatação de câmaras cardíacas (ECG e Raio-x também sugerem) e hiperfluxo pulmonar (Qp/Qs elevado).


INDICAÇÕES DE CIRURGIA (Kirklin)

Para uma análise detalhada, leia a nossa publicação "Comunicação interventricular: análise das indicações cirúrgicas (clique aqui)"

  • Critérios gerais:

    • Tamanho do defeito (pelo eco)

    • Características morfológicas (chance de fechamento espontâneo)

    • Estimativa da resistência pulmonar (Rp)

    • Presença ou não de síndrome de Down

  • Indicações:

    • CIV grande e sintomas importantes de ICC ou insucesso do ganho ponderal:

      • Operar independente da idade.

    • Sintomas leves:

      • Reparação eletiva de CIV grande isolada durante os primeiros 6 meses de vida ou no diagnóstico se mais velho.

    • Infantes com síndrome de Down e CIV grande:

      • Maior risco de doença vascular pulmonar, cirurgia nos primeiros meses.

    • CIV perimembranosa moderada/grande associada a aneurisma do septo membranoso ou parcialmente coberta por tecido acessório da valva tricúspide:

      • Maior chance de fechamento espontâneo. Pode-se adiar a cirurgia por 6–12 meses (se assintomático), reavaliando sinais de redução do defeito.

    • Rp elevada no eco:

      • Indicação de cateterismo cardíaco.

      • Se Resistência vascular pulmonar (Rp) <8 U.m², cirurgia é possível.

      • Se Rp >8 U.m², fazer teste vasodilatador pulmonar (100% O2, NO etc.).

        • Se Rp cai para ≤7 U.m², resposta favorável → indicar cirurgia.

        • Caso contrário, não indicar fechamento, salvo discussão e individualização do caso.

    • CIV pequena:

      • Observação clínica, salvo presença de complicações (insuficiência aórtica, estenose subaórtica, endocardite, etc.).

      • Reavaliação clínica e ecocardiográfica periódica.


Para revisar a anatomia cirúrgica e técnica operatória do fechamento da CIV, leia a nossa publicação "Comunicação interventricular: análise das indicações cirúrgicas (clique aqui)"

Essa imagem mostra uma cirurgia cardíaca aberta com correção de uma comunicação interventricular perimembranosa  utilizando um patch de pericárdio autólogo. Os cirúrgiões posicionaram as pinças anatômicas para demonstrar a localicação da CIV. Abaixo, citamos a localicação das armadilhas neste campo cirúrgico.

Fonte: Própria.


Armadilhas da cirurgia:  

  • CIV perimembranosoa possui duas armadilhas

    • Armadilha 01: Valva Aórtica

      • Localização: margem superior da CIV

      • Complicação: insuficiência aórtica aguda (se o ventrículo distender após a desclampear a aórtica, fique atento!)

    • Armadilha 02: Sistema de condução

      • Localização: Margem inferior da CIV

      • Complicação: Bloqueio atrioventricular total.

  • Evite sempre pontos muito profundos!   


Sobre o fechamento percutâneo da CIV: um breve comentário

Etapas essenciais do fechamento transcateter de uma comunicação interventricular (CIV) descrita por Bu et al. (Referência 06).


O fechamento percutâneo da comunicação interventricular perimembranosa (CIVpm) tem se tornado uma alternativa em pacientes pediátricos criteriosamente selecionados. De acordo com o estudo de Bu et al. (2019), o procedimento pode ser realizado de forma minimamente invasiva, utilizando orientação por ecocardiografia associada à fluoroscopia, sem necessidade de acesso arterial, o que reduz o risco de complicações vasculares.


Critérios de Inclusão

Os pacientes selecionados para o estudo deviam atender aos seguintes critérios:

  1. Shunt esquerda-direita com razão Qp/Qs ≥ 1,5, causado por CIVpm isolada.

  2. Idade entre 2 e 13 anos.

  3. Peso corporal superior a 12,5 kg.

  4. Diâmetro máximo da CIV ≤ 6 mm e diâmetro mínimo ≥ 3 mm.

  5. Margem subaórtica (distância da CIV à valva aórtica) superior a 2 mm.


Critérios de Exclusão

Foram excluídos pacientes com:

  1. Prolapso ou insuficiência aórtica maior do que leve.

  2. CIV perimembranosa com desalinhamento septal.

  3. Outras cardiopatias associadas que exigissem correção cirúrgica no mesmo ato.


O estudo demonstrou resultados promissores, com acompanhamento clínico, ecocardiográfico e eletrocardiográfico em 1, 3, 6 meses, e posteriormente aos 1 e 2 anos. Os dados sugerem que, para pacientes adequadamente selecionados, o fechamento transcateter da CIVpm é uma opção segura e eficaz.


COMPLICAÇÕES CIRÚRGICAS PRINCIPAIS

  • Bloqueio AV total (BAVT): 0,4–4%

    • Maior risco em crianças com <5kg e Down

  • CIV residual: 0,7–2%


Resumo da Ópera

  • Localização: Perimembranosa (80%), muscular (15–20%), outlet (5%).

  • Complicações naturais: ICC, endocardite,ventrículo direito dividido, insuficiência aórtica por prolapso.

  • Eco: 

    • CIV Grande = CIV ≥75% anel do anel aórtico / Gradiente baixo (<25 mmHg) / Fluxo de baixa velocidade no Doppler (≤1 m/s).

    • CIV Moderada = 33–75% do anel aórtico / Gradiente entre 25 e 60 mmHg / Velocidade de fluxo 1–4 m/s.

    • CIV Pequena = <33% / Gradiente baixo (<25 mmHg) / Fluxo de alta velocidade (≥4 m/s).

  • Conduta cirúrgica:

    • Sintomáticos: operar independente da idade.

    • Down + CIV grande: operar precocemente.

    • Rp >8 U.m²: testar vasodilatador pulmonar.

    • CIV pequena: observar salvo complicações.

  • A CIV perimembranosoa (a mais frequente) possui duas armadilhas: O sistema de condução e a valva aórtica

  • O fechamento da CIV transcateter pode ser feito em pacientes muito selecionados.

  • Complicações cirúrgicas: BAVT, CIV residual. 


Referências:

  1. https://pedecho.org/library/fetal/Fet-VSD

  2. Helmut Baumgartner, Julie De Backer, Sonya V Babu-Narayan, Werner Budts, Massimo Chessa, Gerhard-Paul Diller, Bernard lung, Jolanda Kluin, Irene M Lang, Folkert Meijboom, Philip Moons, Barbara J M Mulder, Erwin Oechslin, Jolien W Roos-Hesselink, Markus Schwerzmann, Lars Sondergaard, Katja Zeppenfeld, ESC Scientific Document Group , 2020 ESC Guidelines for the management of adult congenital heart disease: The Task Force for the management of adult congenital heart disease of the European Society of Cardiology (ESC). Endorsed by: Association for European Paediatric and Congenital Cardiology (AEPC), International Society for Adult Congenital Heart Disease (ISACHD), European Heart Journal, Volume 42, Issue 6, 7 February 2021, Pages 563–645, https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehaa554

  3. Kirklin/Barratt-Boyes Cardiac Surgery. 4th edition,

  4. Fusco F, Borrelli N, Palma M, Sarubbi B, Scognamiglio G. Imaging of ventricular septal defect: Native and post-repair. Int J Cardiol Congenit Heart Dis. 2022 Jan 22;7:100335. doi: 10.1016/j.ijcchd.2022.100335. PMID: 39712261; PMCID: PMC11658130.

  5. European Heart Journal (2010) 31, 2915–2957 doi:10.1093/eurheartj/ehq249

  6. Bu, H., Yang, Y., Wu, Q. et al. Echocardiography-guided percutaneous closure of perimembranous ventricular septal defects without arterial access and fluoroscopy. BMC Pediatr 19, 302 (2019). https://doi.org/10.1186/s12887-019-1687-0

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