Estudo NOTION-3 - Angioplastia antes da TAVI reduz eventos cardiovasculares maiores em pacientes com DAC estável
- Laio Wanderley
- há 5 dias
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Contexto científico e importância do estudo
Doença arterial coronariana (DAC) está presente em aproximadamente metade dos pacientes submetidos à TAVI, mas até hoje não há evidências claras que recomendem ou contraindiquem a revascularização coronariana nesses casos. O estudo NOTION-3, publicado no NEJM em 2024, foi o um dos maiores ensaios clínicos até o momento a abordar essa questão de forma prospectiva e randomizada.
Objetivo e desfecho primário
Avaliar se a revascularização com angioplastia coronária (PCI), em pacientes com estenose aórtica severa e DAC obstrutiva fisiologicamente significativa, reduz a ocorrência de eventos cardiovasculares maiores em comparação ao tratamento conservador.
Desfecho primário: Evento cardíaco adverso maior (MACE), definido como morte por qualquer causa, infarto do miocárdio ou revascularização urgente.
Desenho do Estudo – NOTION-3
Tipo: Estudo randomizado, aberto, de superioridade, multicêntrico
População: 455 pacientes com estenose aórtica severa sintomática e DAC obstrutiva significativa
Critérios de inclusão:
Estenose aórtica severa sintomática
Estenose ≥90% ou FFR ≤0,80 em vaso coronariano epicárdico ≥2,5 mm
Critérios de exclusão:
SCA recente
Estenose de tronco da coronária esquerda
IRC grave ou expectativa de vida limitada
Idade média: 82 anos
Distribuição:
PCI + TAVI: 227 pacientes
TAVI isolada (conservador): 228 pacientes
Seguimento: Mediana de 2 anos
STS-PROM score mediano: 3%
Status clínico: Todos os pacientes apresentavam estenose aórtica severa sintomática
📌 PCI foi recomendada antes da TAVI, mas 26% dos pacientes realizaram o procedimento simultaneamente ou após a TAVI.
PCI antes da TAVI: 74%; durante: 17%; após: 9%
Resultados principais
🔺 Desfecho primário (MACE):
PCI + TAVI: 26%
TAVI conservador: 36% 🧮 Hazard Ratio: 0,71 (IC 95%: 0,51–0,99), p = 0,04

📉 Desfechos secundários:
Infarto do miocárdio: 7% (PCI) vs. 14% (sem PCI)
Revascularização urgente: 2% (PCI) vs. 11% (sem PCI)
Mortalidade por todas as causas: 23% (PCI) vs. 27%
Eventos de sangramento maior: 11% vs. 10% (sem diferença)
Complicações relacionadas à PCI: 3% dos pacientes
Limitações e questões em aberto
O estudo excluiu pacientes com SCA recente ou estenose de tronco da coronária esquerda, limitando a generalização para essas populações.
Ao longo dos 5 anos de recrutamento, ocorreram mudanças na seleção de pacientes, técnicas de TAVI/PCI e terapia medicamentosa, o que pode influenciar os resultados.
Ainda não está claro qual o melhor momento para realizar o PCI: antes, durante ou após a TAVI — questão que permanece em aberto.
A maioria dos pacientes recebeu próteses autoexpansíveis (~60%), o que levanta discussões importantes sobre o acesso às coronárias no futuro, especialmente em caso de reintervenções.
Reflexões:
O estudo mostra que, para pacientes com DAC fisiologicamente significativa, a revascularização coronariana reduz eventos como infarto e necessidade de revascularização urgente, sem aumento relevante de sangramento.
O NOTION-3 também se destaca por ter sido o maior estudo até o momento sobre o tema, superando em tamanho o ACTIVATION trial, e sendo complementar ao estudo em andamento COMPLETE TAVR, que busca avaliar o impacto da revascularização tardia (1–45 dias após TAVI).
Entretanto, o benefício da revascularização deve ser equilibrado com o risco técnico de acesso coronariano futuro, sobretudo em pacientes que recebem válvulas autoexpansíveis. Além disso, o implante de stents em idosos pode ser um fator de risco para infarto espontâneo ou reestenose no longo prazo, efeitos que, embora menos frequentes, ainda não são totalmente desprezíveis (vamos ver a longo prazo - o estudo está estimado para ser finalizado em 2027).
Importante lembrar: apenas 40% dos pacientes usaram válvulas expansíveis por balão, o que sugere que a aplicabilidade dos resultados pode variar conforme o tipo de bioprótese utilizada.
Conclusão para a prática clínica
Decisão individualizada: A decisão de realizar revascularização coronariana deve ser personalizada, levando em consideração as características clínicas e anatômicas de cada paciente - não podemos perder essa filosofia!
Importância do FFR: O estudo NOTION-3 utilizou critérios fisiológicos para indicar e guiar a intervenção (FFR ≤ 0,80 ou estenose ≥ 90%). Portanto, para alinhar a prática com os dados do estudo, o uso do FFR é altamente recomendado.
Quando o FFR não está disponível: Em centros que não dispõem de FFR, deve-se considerar uma estratégia mais conservadora, principalmente em pacientes com risco aumentado de sangramento.
Reflexão sobre a idade: A população do estudo tinha idade média de 82 anos. Aplicar a mesma estratégia em pacientes mais jovens exige cautela, pois os riscos de revascularização percutânea no longo prazo (como reestenose, infarto espontâneo ou necessidade de nova intervenção) podem ser mais relevantes.
Perspectivas futuras: parece interessante avaliar o impacto de longo prazo dessa abordagem, especialmente em pacientes com válvulas autoexpansíveis.
Referências:
Lønborg J, et al. PCI in Patients Undergoing Transcatheter Aortic-Valve Implantation. N Engl J Med. 2024;391:2189–2200. DOI: 10.1056/NEJMoa2401531
https://www.acc.org/Latest-in-Cardiology/Clinical-Trials/2024/08/29/20/05/notion-3
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