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Cirurgia Cardíaca Brasileira: Superando Mitos e "achismo intelectual" de Alguns Hemodinamicistas

Foto do escritor: cardiosurgery postcardiosurgery post

Atualizado: 11 de jan.

Alguns poucos Hemodinamicistas são como um alquimista moderno, buscando sua "Pedra -ou cateter- Filosofal" — ferramentas que prometem justificar tudo. Porém, sem ciência robusta ou dados consistentes, suas alegações muitas vezes soam tão míticas quanto a alquimia.

Para que um cresça, não é necessário diminuir o outro, especialmente quando há evidências científicas contundentes mostrando que o outro é superior em determinado campo ou indicação. 


Nas redes sociais da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI), foi publicado um vídeo onde dois hemodinamicistas discutem os motivos pelos quais a hemodinâmica evoluiu tanto no Brasil. Durante a conversa, foram apresentados dois argumentos principais para justificar essa evolução:


  1. O Brasil foi pioneiro ao realizar o primeiro implante de stent farmacológico.

  2. A cirurgia cardíaca brasileira apresenta resultados inferiores e não é comparável aos grandes estudos clínicos (trials).


Esses pontos foram utilizados para sustentar a ideia de que a hemodinâmica se destacou no cenário nacional, mas levantam reflexões importantes sobre a validade e a profundidade dessas afirmações. Este texto é um compilado dos comentários no próprio vídeo da SBHCI, além de discussões e opiniões de cirurgiões cardiovasculares de todo o Brasil nas redes sociais, sendo reunido aqui em uma espécie de editorial.


Sobre o primeiro argumento, reflita: o fato de uma especialidade ter sido pioneira em determinado procedimento significa que ela seja a melhor ou o principal motivo de sua evolução? Ou, como em todo sistema complexo, existe um conjunto de variáveis e pessoas que tornam essa evolução possível? Não sabemos, mas esse editorial não irá fazer o uso do “achismo intelectual” de terno elegante e óculos redondo. O que queremos afirmar aqui é que: apenas esse evento, ser o pioneiro, não é suficiente para promover um avanço global e consistente em qualquer área. Ajuda? Claro que sim, mas é um argumento superficial para justificar grandeza ao público. 


O segundo ponto é o preocupante, sendo sustentado pelo seguinte argumento: "Como os resultados cirúrgicos da nossa realidade local (acredito que ele se refira a Goiânia, São Paulo, cidades de pequeno porte, mas não temos certeza) não replicam o que os grandes estudos mostram, o cardiologista clínico frequentemente me demanda realizar muitos procedimentos...". Em outras palavras, ele sugere que os resultados gerais da cirurgia cardíaca Brasileira - pois não cita nome ou lugar - são tão insatisfatórios que os cardiologistas preferem encaminhar os pacientes para procedimentos de hemodinâmica, neste caso, ele próprio. Alguém já ouviu algum colega cardiologista que respeita as diretrizes fazer tal afirmação? De cardiologistas não, mas de um hemodinamicista, sim - se beneficiava do fato de seu pai ser o dono do hospital e usava esse argumento como justificativa para “chefiar” as condutas. Mas, afinal, em que evidências científicas eles baseiam essas afirmações?


Para responder essa questão, trazemos um trecho da ponderada Nota da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (SBCCV)":


"Estudos sobre o perfil das cirurgias de revascularização do miocárdio no Brasil, com dados extraídos do Registro Brasileiro de Cirurgia Cardiovascular (Registro Bypass) e do Registro Paulista de Cirurgia Cardiovascular (REPLICCAR II), mostraram que a mortalidade hospitalar foi de 2,6% e 1,88%, respectivamente. Esses índices estão em conformidade com os observados em serviços da Europa e dos Estados Unidos.


Portanto, são desprovidas de respaldo científico as afirmações de que os resultados da cirurgia de revascularização do miocárdio no Brasil são insatisfatórios. É importante ressaltar que nosso país possui dimensões continentais e que 84% da população depende do Sistema Único de Saúde (SUS) para ter acesso à assistência cardiovascular de alta complexidade. Nesse contexto, a descentralização se mostra a única estratégia viável para garantir assistência integral à população brasileira."


Clique acima para baixar a Nota da SBCCV sobre os resultados das cirurgias de revascularização do miocárdio no Brasil


Podemos notar uma certa improbidade intelectual na linha de argumentação publicada nas redes sociais da SBHCI. Eles apresentam ao público geral como se a superioridade da hemodinâmica no Brasil, especialmente nos pequenos centros, fosse um fato consolidado, atribuindo isso à suposta má qualidade dos serviços de cirurgia cardíaca. Parlapatear em rede social dessa forma demonstra desconhecimento sobre a realidade da cirurgia cardiovascular no Brasil, já que não existem evidências comparativas robustas que sustentem essa afirmação. O Brasil, inclusive, não possui um registro nacional, que contemple tanto o público quanto o privado, com a quantidade de dados necessária para permitir esse tipo de comparação retrospectiva. Dessa forma, desafiamos o colega a randomizar seus pacientes com os do cirurgião da sua localidade e, de fato, demonstrar a sua superioridade.


O mundo real é complexo e repleto de vieses, o que torna perigoso basear-se apenas na observação. Assim como deve ter serviços de qualidade baixa em Cirurgia (qualquer que seja), o mesmo deve ocorrer nos serviços de Hemodinâmica. A vida é assim. Nada é perfeito.


Curiosamente, os argumentos usados para depreciar a cirurgia poderiam ser facilmente revertidos contra a própria hemodinâmica. Isso porque, de maneira geral, a hemodinâmica depende de uma série de ferramentas específicas, como ultrassom intracoronário, FFR e rotablator, que muitas vezes são amplamente utilizados em trials, mas não estão disponíveis em diversos serviços. Por outro lado, a cirurgia cardíaca é realizada com recursos mais amplamente acessíveis, sem a necessidade desses dispositivos. Mas podemos afirmar que a cirurgia é superior em vários contextos por conta disso? CLARO QUE NÃO.


Para quem não é da área da saúde e não tem acesso aos grandes estudos randomizados que comparam cirurgia cardíaca e angioplastia, saibam que existem estudos bem desenhados (SYNTAX, FREEDOM, FAME 3, NOBLE, etc.) e diretrizes (ESC 2024, bem novinha) que respaldam cada conduta médica, cada variável e definem o espaço de cada técnica. Alguns poucos colegas hemodinamicistas (não são todos, nem a maioria, queremos deixar claro) ignoram os grandes estudos randomizados e guidelines, se deleitam em pequenas análises observacionais, sem relevância científica, que só servem para justificar condutas alternativas.


Para complementar esse ponto e abrilhantar o texto, é essencial destacar o comentário sensato e equilibrado do professor Heraldo Lobo Filho, Cirurgião Cardiovascular Mestre e Doutor  pela Universidade Federal do Ceará, que ressalta a importância de condutas éticas e baseadas em evidências:


"Fico extremamente preocupado com o imenso número de pacientes com doença coronariana triarterial, lesão de TCE, com score Syntax moderado a elevado, que são encaminhados para o tratamento percutâneo sem discussão em Heart Team. Tal conduta fere as recomendações nacionais e internacionais e muitas vezes os pacientes não sabem que estão recebendo um tratamento com pior resultado, sobretudo em termos de sobrevida, novos eventos e necessidade de reintervenções. É evidente que cada paciente deve ser personalizado e que devemos atuar de forma ética, oferecendo a cada doente o melhor tratamento disponível, de acordo com a ciência e nossas diretrizes. Meu respeito e admiração aos muitos cardiologistas hemodinamicistas que atuam com ética e ciência no cuidado e manejo de pacientes, e aos cirurgiões cardiovasculares que agem da mesma forma. Vamos em frente.”


Imagem do comentário do Professor Heraldo Lobo nas redes sociais.

O comentário do professor Heraldo, que está em conformidade com a última diretriz europeia de 2024, reforça a necessidade de abordagens multidisciplinares, baseadas em evidências e decisões compartilhadas no tratamento de pacientes com doença coronariana complexa - conceito que pode facilmente servir para qualquer patologia.


Portanto, trata-se de uma ilação, uma suposição sem fundamento robusto, um puro “achismo intelectual" dizer que "os resultados cirúrgicos da nossa realidade não replicam os grandes estudos", e dessa forma concluir o motivo principal da evolução da hemodinâmica.


Aqui vale um adendo: No tratamento da estenose aórtica, o cirurgião cardiovascular treinado está capacitado para realizar tanto a cirurgia convencional quanto o procedimento transcateter (TAVI). Assim, não há comparação direta entre as especialidades e evidências (são as mesmas), pois a especialidade cirúrgica abrange ambas as abordagens, evidenciando sua versatilidade a ausência de conflito de interesse.


Infelizmente, o vídeo e alguns comentários abaixo foram apagados da rede social onde houver maior repercussão, eliminando a oportunidade de um debate aberto e transparente, e jogando a discussão para debaixo do tapete - ja que até o momento, não houve retratação.



Esse tipo de atitude enfraquece o diálogo construtivo entre as especialidades e perpetua argumentos frágeis que desmerecem a significativa contribuição e qualidade da cirurgia cardíaca Brasileira. Portanto, pedimos desculpas pelo desabafo, mas é necessário enfrentar esse tipo de postura com firmeza, valorizando uma discussão baseada em evidências e no respeito mútuo entre as áreas.


Para finalizar com uma reflexão, como costuma dizer o Dr. José Wanderley Neto:

“Toda ignorância é atrevida.”


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