Qual a clínica e mortalidade da Dissecção da aorta tipo A nas primeiras 24 horas? Implicações práticas.
Imagem de um paciente que sofreu dissecção da aorta com ruptura contida da aorta ascendente. Note a presença de hemopericárdio, que pode causar tamponamento cardíaco e levar à morte muito rapidamente se nenhuma intervenção for realizada.
Fonte própria.
A dissecção aguda da aorta tipo A é uma emergência cruel, frequentemente descrita como uma tragédia pela gravidade e letalidade envolvidas. Compreender a mortalidade associada nas primeiras 24 horas após o início dos sintomas é fundamental para ressaltar a urgência do diagnóstico e da intervenção precoce. Muitos doentes perdem a aportunidade de viver, antes mesmo do ato cirúrgico - já refletimos sua complexidade na postagem "Dissecção aguda da aorta: o procedimento mais desafiador da Cirurgia Cardíaca" (clique aqui para ler).
Dados de estudos recentes demonstram que a mortalidade é ainda mais alta do que o estimado anteriormente, reforçando a necessidade de ações rápidas e efetivas. Abaixo, apresentamos uma análise desse cenário, organizada em tópicos.
1. Mortalidade horária nas primeiras 24 horas
Estima-se que a mortalidade da dissecção aguda da aorta tipo A, se não tratada, atinja entre 1% e 2% por hora após o início dos sintomas. Entretanto, estudos mais recentes indicam que a situação é ainda mais grave. Uma pesquisa revelou que a taxa de mortalidade pode chegar a 2,6% por hora, o que significa que, em apenas um dia, o risco acumulado de morte pode ultrapassar 60% (1)
Publicação recente que reafirma a letalidade da dissecção. Notem como a curva de sobrevida é cruel nas primeiras 24-48 horas. Fonte da imagem: referência 01
2. A tragédia da transferência para o centro cirúrgico
Além da alta letalidade intrínseca da Dissecção do tipo A, os desafios logísticos agravam ainda mais o prognóstico. Em 26% dos casos analisados, os pacientes foram aceitos para cirurgia, mas não chegaram vivos ao centro cirúrgico devido à gravidade do quadro e ao tempo de transferência.
Neste estudo, 56% dos pacientes que não sobreviveram à dissecção aguda da aorta tipo A foram inicialmente diagnosticados de forma incorreta.
Esse erro diagnóstico pode ter contribuído para atrasos no manejo e, consequentemente, para o aumento da mortalidade.Esse dado enfatiza a necessidade de sistemas de transporte médico otimizados e protocolos de manejo que reduzam atrasos.
Note, caro leitor, que a principal causa de o paciente não ser operado (32,6%) é o status clínico. No entanto, a segunda maior causa é trágica, pois o paciente falece durante a transferência para a cirurgia (25.6%).
Fonte da imagem: referência 01
O quadro de dissecção aguda da aorta pode se assemelhar muito ao de síndrome coronariana aguda, sendo a dor torácica o principal sintoma clínico. É importante destacar que a própria dissecção pode causar oclusão do óstio coronariano e provocar infarto, dificultando ainda mais o diagnóstico diferencial.
Por isso, segue uma dica prática que explicamos na aula de aorta do nosso curso Bizu: sempre considere a possibilidade de dissecção em casos de dor torácica associada a algum outro achado clínico relevante.
Fatores que aumentam o risco de dissecção incluem:
Síndrome de Marfan ou outras doenças do tecido conjuntivo;
História familiar de doença aórtica;
Doença conhecida da válvula aórtica;
Manipulação recente da aorta;
Aneurisma torácico previamente diagnosticado.
A suspeita precoce e a atenção a esses fatores podem salvar vidas.
3. Implicações práticas
Diante de uma condição com mortalidade tão elevada, algumas medidas são essenciais para melhorar os desfechos:
Diagnóstico precoce: Investimento em treinamentos para profissionais da saúde e ampliação do acesso a exames como tomografia computadorizada.
Protocolos de emergência: Criação de fluxos rápidos para transferência e tratamento, com integração entre hospitais e centros especializados.
Educação pública: Conscientizar a população sobre os sintomas da dissecção, como dor torácica súbita e intensa, pode encurtar o tempo de busca por atendimento.
4. Conclusão
A dissecção aguda da aorta tipo A é, sem dúvida, uma emergência médica de alta complexidade e gravidade. A taxa de mortalidade de 2,6% por hora nas primeiras 24 horas ressalta a necessidade de uma resposta imediata para maximizar as chances de sobrevivência. A combinação de diagnóstico precoce, transferência eficiente e intervenção cirúrgica rápida é crucial para salvar vidas.
Referência:
Teurneau-Hermansson K, Ede J, Larsson M, Linton G, von Rosen D, Sjogren J € et al. Mortality after non-surgically treated acute type A aortic dissection is higher than previously reported. Eur J Cardiothorac Surg 2024; doi:10.1093/ejcts/ezae039.
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