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Dissecção da aorta ascendente: uma análise e reflexão da estratégia cirúrgica.

Atualizado: 30 de jul. de 2023



A dissecção aguda da aorta tipo A de Stanford é uma condição em que ocorre a delaminação das camadas da aorta devido a um rompimento na camada íntima-média da aorta ascendente (em alguns casos, pode haver rompimento de vaso vasorum gerando hematoma intramural e posterior propagação para a camada íntima e a luz verdadeira). Esse problema também pode afetar a aorta descendente ou o arco aórtico em direção à porção proximal.

É notório o caráter maligno da dissecção da aorta ascendente, uma vez que suas complicações são frequentes e letais, com uma mortalidade de 60% se nenhum procedimento for realizado. Quando a delaminação atinge as artérias coronárias, o paciente pode sofrer uma síndrome coronariana aguda; quando afeta os vasos da base cerebral, pode ocorrer um acidente vascular encefálico; se distorce o anel aórtico ou a válvula aórtica, o paciente pode desenvolver insuficiência aórtica aguda; e quando a tensão sobre as camadas dissecadas leva à ruptura da aorta, o paciente pode apresentar tamponamento cardíaco. Todas essas complicações são graves e potencialmente letais.



Possíveis consequências catastróficas da dissecção aguda da aorta. (A) Tamponamento cardíaco e ruptura da aorta ascendente. (B) Má perfusão das artérias coronárias. (C) Regurgitação aguda da válvula aórtica. Fluxo sanguíneo comprometido para as artérias (D) braquiocefálica, (E) renais e (F) ilíacas.

Fonte: Referência 03

Vários estudos são categóricos em demonstrar a elevada mortalidade das dissecções do tipo A, tornando, portanto, essa condição iminentemente cirúrgica. E é aqui que começa o dilema para o cirurgião. Nas próximas linhas, tentarei apresentar os principais aspectos e nuances que norteiam a estratégia operatória.


Em primeiro lugar, é necessário estar preparado para o aspecto emocional da questão. O cirurgião estará lidando com um paciente que, apesar de todos os avanços tecnológicos para tratar a dissecção da aorta, apresentará uma elevada mortalidade (15% a 30% de mortalidade perioperatória). Além disso, será preciso lidar com os familiares do paciente, que depositarão todas as suas esperanças na equipe cirúrgica. Portanto, diferentemente da maioria dos pacientes eletivos na cirurgia cardíaca, esse paciente terá uma grande chance de não sobreviver, o que impõe um peso psicológico significativo ao enfrentar a possibilidade de morte de um ser humano e o sofrimento de seus familiares.

O segundo ponto chave é a estratégia cirúrgica propriamente dita. A dissecção é um verdadeiro desafio que exige grande habilidade de raciocínio e técnica do cirurgião, além de uma excelente coordenação da equipe (incluindo perfusionista, anestesista, equipe de instrumentação, etc). Para garantir o sucesso dessa cirurgia complexa e delicada, é fundamental o uso de exames diagnósticos adequados, como o ecocardiograma e a angiotomografia de tórax e abdome com contraste.


Com o ecocardiograma (especialmente o transesofágico), é possível identificar a presença da dissecção na aorta ascendente e descendente, sua extensão, presença de hemopericárdio e, especialmente detalhar a morfologia e função da valva aórtica e mitral. Essas informações são fundamentais para o planejamento da cirurgia e para a tomada de decisões durante o procedimento, tendo em vista que se valvas estivem morfologicamente normais, serão preservadas.


Já a angiotomografia de tórax e abdome (não esquercer da aorta abdominal!) com contraste é extremamente preciso na detecção e caracterização da dissecção aórtica, permitindo visualizar na maioria dos casos, com clareza, o local exato do rasgo na parede da aorta (informação crucial, pois a eliminação do ponto de rasgo que alimenta a falsa luz é um dos objetivos cirúrgicos). Além disso, a tomografia demonstra extensão da dissecção ao longo da aorta ascendente, descendente e do arco aórtico, bem como a presença de possíveis complicações e envolvimento de ramos vasculares importantes (síndrome de má perfusão).


Com esses exames em mãos, a equipe cirúrgica tem informações cruciais para definir a estratégia cirúrgica mais adequada para cada paciente. Porém, Apesar dos exames "preops" anunciar o que encontraremos no campo operatório, nenhum é mais confiável do que o próprio achado intra-operatório. Sendo assim, o sucesso da cirurgia está diretamente relacionado à análise pré, mas principalmente intra-operatória dos seguintes pontos e estruturas:

1. Valva aórtica: morfologia e função. Quando há comprometimento da função da valva aórtica, é necessário intervir. A troca da válvula é geralmente requerida quando ela apresenta aspecto morfológico doente (calcificações grosseiras, má formação dos folhetos, etc), ou quando, apesar das tentativas de plastia, não se consegue recuperar sua função.


2. Raiz da aorta (anel aórtico, seio de Valsalva/coronárias e junção sinotubular) e aorta ascendente: morfologia, rasgo e dilatação. A substituição da porção mais inicial da aorta é geralmente exigida quando o rasgo da dissecção está localizado nesse nível, ou há importante aneurisma (>4,5-5,5 cm). Nesse caso, a cirurgia adquire um nível mais complexo, sendo necessário realizar a substituição da raiz e aorta ascendente através do procedimento Bentall e De Bono, David ou Yacoub. Caso não haja comprometimento da raiz da aorta, faz-se necessário apenas retirar eventuais coágulos da luz falsa, usar cola biológica para aproximar as lâminas dissecadas, reforçar o coto restante da aorta com PTFE (patch inorgânico) ou pericárdio bovino (técnica do "sanduíche") e substituiar a aorta ascendente.

Imagem mostrando o uso de cola biológica na falsa luz para aderiar as camadas da aorta dissecada.

Fonte: Khonsari


Reforço do coto da aorta, que pode ser feito com pericárdio bovino ou patch inorgânico de feltro.


É possível manter a raiz da aorta mesmo que haja comprometimento do seio coronário, como demonstrado na técnica acima. Em muitos casos, o segredo do sucesso da cirurgia, reside em ser "econômico" e evitar técnicas que prolongue demais o procedimento.


3. Arco aórtico: Morfologia e Comprometimento

Quando temos um rasgo ou grande dilatação no arco aórtico, é geralmente mandatória a sua substituição. Entretanto, mesmo que haja delaminação nos vasos da base, quando se observa que o ponto inicial de ruptura da camada íntima encontra-se na aorta ascendente (ou não é encontrado), a estratégia cirúrgica pode ser menos agressiva. Nesses casos, pode-se optar por uma correção parcial do arco ou apenas corrigir a aorta ascendente.



As imagens acima demonstra as diferentes estratégias e formas de abordagem nas dissecções da aorta ascendente, com ou sem comprometimento do arco aórtico. Observe que nenhuma das técnicas acima contemplou a substituição da raiz da aorta/seios de valsava, que devem ser mantidos se não houver dano irreparável.


Avaliando e corrigido os pontos supracitados (Valva aórtica, Raiz da aorta e seios de Valsalva, aorta ascendente e arco aórtico) podemos personalizar o tratamento, elaborando a estratégia mais conveniente para cada paciente. Abaixo segue um imagem de um slide do professor Ariel Blitz. Na imagem o professor resume os principais passos da abordagem cirúrgica.


Fonte: youtube no link https://youtu.be/Vbpl_N7iyn4.


No tocante aos trabalhos que abordam a melhor forma de tratar as dissecações da aorta ascendente, não encontramos na literatura algo que indique de maneira categórica a "fórmula de bolo" ou a estratégia ideal. O fundamental é ter em mente os objetivos primários da intervenção e tentar alcançá-los. Esses objetivos são muito bem descritos na Diretriz Americana (AHA/ACC) de 2022 para diagnóstico e manejo das doenças da aorta: 1) Prevenir (ou tratar) a ruptura aórtica; 2) Prevenir a extensão retrógrada da dissecção na raiz da aorta; 3) Prevenir a propagação anterógrada da dissecção em segmentos distais ainda não dissecados; 4) Aliviar síndromes de má perfusão.


Sabidamente, a oclusão do ponto de entrada da falsa luz e do segmento dissecado da aorta é um fator que pode influenciar o prognóstico do paciente; no entanto, estratégias mais agressivas para atingir esse objetivo podem resultar em desfechos piores a curto prazo.


Uma revisão sistemática realizada em 2016 não mostrou diferença estatística na mortalidade intrahospitalar ao comparar a troca total ou parcial do arco (imagem abaixo) e constatou uma mortalidade similar no longo prazo. Portanto, por que não optar por um procedimento mais simples, menos agressivo e facilmente reproduzido por cirurgiões menos experientes? Inclusive, o mesmo artigo sugere que as reconstruções do arco sejam a primeira opção somente em centros de excelência nesse procedimento.


Na nossa rotina, observamos uma elevada taxa de sucesso quando optamos por preservar o arco aórtico e, sempre que possível, é claro, a raiz da aorta. Quase sempre aplicamos a estratégia de colocar um stent na aorta descendente (Frozen Elephant Trunk).

Mediante as reflexões e análises, pergunto-lhes: vale a pena arriscar uma correção completa da dissecção (eliminando seios coronários, aorta ascendente e arco aórtico) e o paciente falecer precocemente, ou é mais econômico e prudente abordar a patologia em um segundo momento? É justamente nesse momento que a expertise dos cirurgiões mais experientes se mostra extremamente valiosa, no sentido de individualizar o tratamento e salvar o paciente.


Conclusão:


O tratamento da Dissecção Aguda da Aorta Tipo A é uma questão complexa e desafiadora para os cirurgiões, pois envolve decisões cruciais que podem impactar diretamente o prognóstico do paciente.

A análise pré e intraoperatória da valva aórtica e da aorta, é crucial para sucesso da cirurgia. A literatura ainda não oferece uma estratégia definitiva, mas é essencial considerar cuidadosamente os objetivos primários da intervenção: prevenir a ruptura aórtica, evitar a propagação da dissecção e aliviar síndromes de má perfusão.


Em última análise, o foco deve ser sempre na segurança e no bem-estar do paciente. A busca por um equilíbrio entre a agressividade cirúrgica e a preservação das estruturas vitais é fundamental para alcançar resultados positivos e aumentar as chances de sobrevida e recuperação dos pacientes com Dissecção Aguda da Aorta Tipo A.


Referências:

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  6. Ann Cardiothorac Surg 2013;2(2):212-215

  7. Ann Cardiothorac Surg 2013;2(2):202-204

  8. Ann Cardiothorac Surg 2013;2(2):205-211

  9. https://youtu.be/Vbpl_N7iyn4

  10. Khonsari`s Cardiac surgery: safeguards and pitfalls in operative Technique


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