Opções estratégicas na tetralogia de Fallot com artéria coronária anômala. Conheça o plano B.
Atualizado: 25 de dez. de 2020
A maioria dos pacientes que serão submetidos ao tratamento cirúrgico da tetralogia de Fallot, realizam a ressecção e ampliação da via de saída do ventrículo direito (VSVD). Essa etapa cirúrgica é fundamental para normalizar o fluxo sanguíneo pulmonar (obstruído perante a estenose na VSVD/pulmonar. Entretanto, em torno de 5-12% dos paciente possuem anomalias coronarianas que dificultam ou impedem a realização da ventriculotomia e ampliação da VSVD mediante o risco elevado de lesão coronariana.
Fotografia mostrando vasos coronarianos anômalos cruzando a região anterior do infundíbulo do ventrículo direito, justamente no local onde o cirurgião deveria realizar a ventriculotomia. Perante tal achado cirúrgico (ou visto no eco pré-operatório), o cirurgião deve traçar estratégias alternativas para desobstruir a via de saída do ventrículo direito sem causar dano naqueles vasos.
Fonte: Própria
Imagem mostrando a lesão inadvertida da coronária anômala durante a ventriculotomia. Se a coronária lesada for a descendente anterior, que de forma anômala nasce da artéria coronária direita e cruza o infundíbulo do ventrículo direito (um dos padrões mais comuns), o resultado será infarto agudo do miocárdio. Não é difícil concluir que trata-se de uma complicação cirúrgica gravíssima.
Fonte: Referência 01
Dessa forma, é fundamental o cirurgião conhecer estratégias alternativas que possam ser aplicadas nos casos de Tetralogia de Fallot com coronária anômala. As técnicas são desafiadoras, mas o objetivo é simples: realizar uma correção completa do Fallot (fechamento da CIV + desobstrução/ampliação da VSVD, fornecendo fluxo pulmonar adequado) sem causar lesão na coronária anômala.
As técnicas aplicadas para alcançar o objetivo da correção total (primária) não são rotineiras e algumas muito arriscadas. Porém, ao realizar a correção total através das estratégias que irão ser apresentadas a seguir, evita-se o uso de condutos ou shunts paliativos, algo que pode ser muito deletério para os pacientes.
Posto isso, abaixo segue a descrição das principais estratégias cirúrgicas que podem ser usadas no tratamento cirúrgico da tetralogia de Fallot com coronária anômala.
1. Reparo transatrial-transpulmonar
O primeiro passo da técnica transatrial-transpulmonar é realizar a ressecção das bandas musculares anômalas/hipertrofiadas do ventrículo direito, de maneira a resolver um dos mecanismos de obstrução do ventrículo direito (se quiser saber mais sobre Fallot e mecanismos de obstrução, assista nossa aula disponível no site).
O desenho esquemático acima mostra a visão do cirurgião durante ressecção transatrial da estenose infundibular.
Fonte: referência 02
Após a ressecção transatrial da estenose infundibular é necessário realizar o segundo passo: a ventriculotomia modificada, pois a presença da coronária anômala (descendente anterior), originária da coronária direita, demanda tal modificação. Observem que a incisão na região do infundíbulo segue o curso da coronária anômala.
Fonte: referência 02
Outra imagem mostrando a técnica da ventriculotomia modificada, necessária para evitar lesão coronariana. O adicional técnico que é visto nessa imagem é a sutura subcoronária.
Fonte: referência 04
2. Double Outflow Technique
Na técnica Double Outflow , haverá, como o próprio nome sugere, a criação de duas vias de saída.
A técnica é iniciada por meio da ventriculotomia realizada logo abaixo da artéria coronária. O local da abertura do VD é usado para o fechamento da CIV. Em seguida, é necessário realizar incisão na parede anterior da artéria pulmonar (a linha tracejada mostra o local da incisão).
Fonte: referência 03
A incisão na artéria pulmonar tem por objetivo criar um retalho, cuja extremidade é suturada na margem superior da ventriculotomia. O retalho deve ser longo o suficiente para cobrir o ramo anômalo da artéria coronária sem comprimi-lo. Dessa forma, criamos um segundo fluxo de saída para o sangue que chega ao VD, justificando o nome da técnica.
Fonte: referência 03
3. Translocação da artéria pulmonar
A técnica de translocação da artéria pulmonar, é exatamente o que o leitor pode perceber na imagem acima: o tronco da artéria pulmonar é seccionado logo acima do ânulo pulmonar; a extremidade proximal é suturada, selando a via de saída do ventrículo direito, enquanto que a extremidade distal é translocada e “anastomosada” no local da ventriculotomia direita, anterior à artéria coronária aberrante;
Fonte: referência 04
Notem que a parede anterior do tronco pulmonar é aberto longitudinalmente e alargado com enxerto de pericárdio.
Fonte: referência 04
4. Patch transanular com mobilização da artéria coronária anômala
Tchervenkov et al descrevem o uso do Patch transanular com mobilização da artéria coronária anômala em situações onde a coronária é muito tortuosa, permitindo mobilizá-la superiormente e colocar um patch por baixo.
Fonte: referência 04
5. Shunt sistêmico-pulmonar
O shunt sistêmico-pulmonar, diferente das últimas estratégias citadas, não promove a correção primária da tetralogia, sendo apenas uma paliação (clique aqui e leia nossa análise sobre shunts).
Devemos pensar na possibilidade de shunt quando é impossível realizar as técnicas anteriores ou não há condições de implantar um conduto VD-AP.
Em suma:
Coronária anômala ocorrre em 5-12% dos pacientes com Fallot
Coronária anômala cruzando o infundíbulo = mudança de estratégia cirúrgica e técnica operatória.
Se tudo der errado, o shunt sistêmico pulmonar é uma ótima saída para oferecer fluxo pulmonar.
Referências:
1. Khonsari, Cardiac Surgery. Safeguards and Pitfalls in Operative Technique 5 ed. Philadelphia 2017.
2. Christian P. R. Brizard, Carlos Mas, Young-Sang Sohn, Andrew D. Cochrane, Tom R. Karl,
Transatrial-transpulmonary tetralogy of fallot repair is effective in the presence of anomalous coronary arteries, The Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery, Volume 116, Issue 5,
1998, Pages 770-779, ISSN 0022-5223, https://doi.org/10.1016/S0022-5223(98)00454-1.
3. Tetralogy of Fallot With Anomalous Coronary Artery: Double Outflow Technique B. Reddy Dandolu, MD, H. Scott Baldwin, MD, William I. Norwood, Jr, MD, PhD, and Marshall L. Jacobs, MD DOI: https://doi.org/10.1016/S0003-4975(99)00115-0.
4. Tchervenkov CI, Pelletier MP, Shum-Tim D, Béland MJ, Rohlicek C. Primary repair minimizing the use of conduits in neonates and infants with tetralogy or double-outlet right ventricle and anomalous coronary arteries. The Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery. 2000 Feb;119(2):314-323. DOI: 10.1016/s0022-5223(00)70187-5.
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