ART Trial 10 anos: a dupla mamária é inútil na revascularização do miocárdio?
Esperávamos muito os resultados do ART TRIAL após 10 anos de seguimento e muitos tinham certeza que o uso das duas mamárias na cirurgia de revascularização do miocárdio traria um benefício muito melhor quando comparado ao uso de apenas uma.
Para quem não lembra, o ART trial foi um estudo randomizado onde os pacientes foram aleatoriamente programados para revascularização miocárdica submetidos a enxerto de artéria mamária interna (IMA) única ou bilateral. O desfecho primário foi a morte por qualquer causa aos 10 anos de seguimento. No seguimento de 05 anos já havia sido demonstrado não haver diferença quanto à mortalidade entre os dois grupos e este resultado se manteve aos 10 anos. Mas o que deu errado no estudo? Quais foram os vieses? A dupla mamária tem espaço na estratégia cirúrgica?
Filmado durante a 27ª Conferência da ASCTVS e 65 da IACTVS, o Dr. Yadava, discute o ART trial com o professor David Taggart, um dos principais autores que desenhou o estudo. O nome da entrevista é "ART Trial: From the Horse’s Mouth". Convenhamos que o título da entrevista é bem convidativa!
Com perguntas objetivas (o senhor está desapontado com os resultados?; Por qual motivo os grupos receberem tratamentos tão diferentes do planejado?; Se o senhor fosse refazer o estudo, o que o senhor redesenharia?) o professor Yadava sana muitos questionamentos que faríamos se tivéssemos a oportunidade de conversar com o professor David.
HIGHLIGHTS DA ENTREVISTA:
O maior problema do ART trial é que 40% dos pacientes tiveram um tratamento diferente do planejado:
14% dos IMA (artéria mamária interna) bilaterais previstos passaram para o grupo IMA única;
4% dos IMA única cruzaram ao grupo bilateral.
22% dos pacientes tiveram uma artéria radial (AR) adicional usada como segundo enxerto no grupo IMA única:
Na época eles não sabiam que a AR poderia ter um impacto tão grande nos resultados em comparação com a veia safena.
A inexperiência do cirurgião se tornou um fator importante. Em certos casos, 100% dos pacientes migraram do grupo IMA bilateral para o IMA única;
Todas as lições aprendidas foram incorporadas ao ROMA TRIAL, realizado por Mario Gaudino e colaboradores;
Os pacientes serão seguidos por mais 10 anos para observação das curvas de sobrevivência.
REFLEXÕES
Quando estudamos os benefícios da mamária em comparação com outros enxertos, notamos que além de ser um enxerto arterial, portanto adaptado a pressões sistêmicas, a mamária é uma verdadeira fábrica de óxido nítrico, promovendo adequado controle endotelial do leito distal coronariano. Com relação à durabilidade do enxerto, já é bem documentado que a mamária tem uma patência muito maior quando comparado com a artéria radial e a safena magna retirada de maneira convencional. Então, por qual motivo usar as duas mamarias não promoveria um melhor resultado quando comparado ao uso de apenas uma?
O ART trial, estudo que iria documentar a hipótese do melhor benefício da dupla mamária, teve a incapacidade de manter a estratégia cirúrgica planejada para os pacientes alocados nos grupos com alto índice de crossover. Como o professor Taggart falou na entrevista, 40 % dos pacientes tiveram um tratamento diferente do planejado, sendo um viés enorme quando a análise é feita por intenção de tratar. Porém quando os dados são analisados em um subgrupo que recebeu dupla mamária e que o cirurgião tinha um baixo índice de crossover (1,2%) (análise "como tratado") mesmo a análise por intenção de tratar mostra um benefício de sobrevivência quanto ao uso da dupla mamária.
Dessa forma o ART Trial não tem como responder se a dupla mamária tem espaço ou não na estratégia cirúrgica rotineira com o intuito de promover uma maior sobrevida nos pacientes revascularizados. Levando-se em conta os erros e acertos do ART, está em andamento o estudo ROMA.
Devemos lembrar também que a dupla mamária pode ser útil no contexto de ausência de enxertos (pacientes safenectomizados previamente, por exemplo) e portanto em termos de estratégia cirúrgica, sempre haverá um espaço.
A individualização é fundamental. Pacientes com alto risco de mediastinite ou muito idosos (o benefício da mamária geralmente se revela após 10 anos de seguimento), talvez não seja uma boa ideia prolongar o procedimento (dissecar as duas mamárias demora!) e gerar um maior risco de morbidades.
Referência
1. Taggart DP, Benedetto U, Gerry S, Altman DG, Gray AM, Lees B, et al for the Arterial Revascularization Trial Investigators. Bilateral versus single internal thoracic artery grafts at 10 years. N Engl J Med. 2019;380:437-446.