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EXCEL Trial 05 anos: Falácias estatísticas em favor da Angioplastia no tronco coronária esquerda.

Atualizado: 15 de jan.


A intervenção coronária percutânea (ICP) e a cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) são duas modalidades de tratamento que sabidamente são superiores ao tratamento farmacológico isolado, quando o paciente tem lesão de tronco de coronária esquerda (LCE).

A pergunta que se tem feito nos últimos anos é: a ICP é não inferior à terapia cirúrgica, que é o tratamento convencional?

Alguns Trials foram desenvolvidos para responder essa pergunta. O mais controverso deles é o EXCEL trial, seguimento de cinco anos, que recentemente foi publicado no New England Journal of Medicine (NEJM).

O EXCEL trial foi um estudo randomizado que comparou ICP com stent farmacológico versus CRM no paciente com LCE maior 70% (análise visual) ou 50-70% se determinado que havia lesão hemodinamicamente significativa por outros testes. A complexidade das lesões coronárias deveriam ser média ou baixa (Escore SYNTAX menor ou igual a 32). O desfecho primário era composto por morte por qualquer causa, infarto agudo do miocárdio (IAM) e acidente vascular encefálico (AVE).

A conclusão desse acompanhamento de 05 anos foi que "não houve diferença entre ICP e CRM com relação à taxa do desfecho composto de morte, AVE ou IAM".

Mas será que não há mesmo diferença realizar ICP ou CRM nos casos de LCE e SYNTAX médio ou baixo?

Infelizmente a conclusão do trabalho faz uma "ginástica mental" para induzir o leitor a pensar que de fato não haveria diferença nenhuma entre as duas modalidades de tratamento. Os resultados são claros, o problema parece ser a interpretação.

Dessa forma, com o intuito de fomentar a crítica, abaixo irei pontuar 03 Falácias estatísticas que alguns membros da comunidade científica estão comentando a respeito do EXCEL.

  • Primeira Falácia: Mudar a definição de infarto agudo do miocárdio durante o curso do Trial.

Muitos Trials são controversos mas o EXCEL está se superando. Uma grande polêmica ocorreu durante o 33ª Reunião Anual da Associação Européia de Cirurgia Cardiotorácica (EACTS) quando o cirurgião cardiovascular David Taggart, da Universidade de Oxford, denunciou uma falácia matemática notável: "a definição de IAM foi alterada durante o curso do estudo, distorcendo o resultado primário de uma maneira que diminuísse o que teria sido uma clara vantagem para a CRM”. A questão foi tão relevante que Taggart, presidente do comitê cirúrgico do EXCEL, retirou seu nome do manuscrito da NEJM. Os “cabeças” do Trial negaram as acusações.

Mas como uma simples escolha ou mudança na definição de IAM pode alterar os resultados do desfecho primário do EXCEL?

Um estudo observacional Coreano procurou estimar a variação na incidência de IAM periprocedimento de acordo com as várias definições de infarto. Os autores analisaram pacientes que foram submetidos a ICP ou CRM, e que possuíam registro das dosagens seriadas de CK-MB após o procedimento. A conclusão foi que houve variações gritantes nas taxas de IAM dependendo apenas em qual definição de infarto periprocedimento era utilizada.

Figura do trabalho de Cho et al, mostrando a grande diferença na taxa de IAM após ICP e CRM, de acordo com as várias definições. Enquanto que a segunda definição universal de IAM promove uma incidência bem maior de IAM para ICP (18,7% para ICP Vs. 2.9 % para CRM), a definição da Sociedade de Angiografia e Intervenções Cardiovasculares (SCAI) mostra resultado quase oposto (5,5% para ICP Vs. 18.3% para CRM).

Fonte: Referência 02

Observem na figura acima que a definição da Sociedade de Angiografia e Intervenções Cardiovasculares (SCAI) claramente favorece a ICP ao estabelecer critérios que elevam muito a incidência de IAM no grupo da CRM. A definição de IAM da SCAI estabelece o mesmo ponto de corte de CK-MB para CRM e ICP o que acaba sendo um erro grotesco. Sabidamente a cirurgia envolve uma maior manipulação do coração (parada cardíaca com cardioplegia; dissecção muscular; hipotermia, etc.) o que naturalmente irá provocar níveis mais altos de CK-MB após a CRM quando comparado a ICP. O EXCEL usou essa definição de IAM impulsionando taxas comparáveis de eventos nos dois grupos.

  • Segunda Falácia: Desconsiderar a idade dos pacientes Vs. divergência tardia na taxa de mortalidade.

Como a idade dos pacientes do EXCEL era de apenas 66.0±9.6anos, fica claro que esses doentes irão viver muito mais que 05 anos.

As taxas de eventos de morte por qualquer causa mostrou uma diferença de 3,1 pontos percentuais entre os grupos ao longo dos 05 anos. Porém as curvas de Kaplan-Meier, mostraram uma lacuna cada vez maior nas taxas de mortalidade ao longo do tempo.

Curva de Kaplan-Meier do estudo EXCEL, seguimento de 05 anos . A preocupação é que haja aumento ainda maior da diferença de mortalidade entre os grupos no longo prazo - 10 % dos pacientes morreram no braço da ICP vs 6,6% no braço da CRM do ano 1 ao ano 5. Dessa forma, deveria ser fortemente considerado observar como irá se comportar as taxas de mortalidade de 5 a 10 anos.

Fonte: Referência 01

Um análise detalhada dos resultados do EXCEL mostra que variáveis importantes para pacientes com LCE (IAM, necessidade de nova revascularização e morte por qualquer causa) gradualmente favoreceram a CRM ao longo dos 05 primeiros anos após a intervenção. Portanto, é relevante saber como esses pacientes irão evoluir 5 a 10 anos após o procedimento. Será a que as taxas de eventos para aquelas variáveis se tornarão ainda maiores no grupo da ICP?

Terceira Falácia: Escolha da análise dos dados (Intenção de tratar) e o Desfecho combinado.

O professor Luis Correia, Professor adjunto da Escola Bahiana de Medicina e Diretor Centro de Medicina Baseada em Evidências, em seu blog (referência 03) já havia pontuado esses artifícios quando analisou os resultados prévios do estudo EXCEL em 2016.

Primeiramente, a análise por intenção de tratar (ITT) não é a mais adequada para estudos de não inferioridade, como é o caso do EXCEL. "Como na análise por ITT os pacientes recebem o tratamento para o qual não foram alocados (cross-over), o resultado dos dois grupo tendem a se aproximar”, afirma o professor Luis Correia. Portanto, os ensaios de não inferioridade são frequentemente analisados usando abordagens por protocolo e ITT, e somente quando ambas as abordagens apóiam a não inferioridade é que o ensaio é considerado positivo. O ideal é que também fosse exposta análise por protocolo do EXCEL, excluindo pacientes que tiveram cross-over de tratamento e dessa forma reduzir as chances da incidência do desfecho primário ficar parecida nos dois grupos. O artigo cita que foi realizado a análise por protocolo, mas não deixa explícito os dados.

Com relação ao desfecho primário combinado (combinação de morte, infarto e AVE), a inclusão de AVE gera uma previsível vantagem para a ICP. Como a angioplastia sabidamente provoca menos AVE quando comparado a cirurgia, ao colocar esse componente no desfecho composto, os autores estão promovendo uma vantagem para a ICP que poderia compensar uma inferioridade deste nos desfechos morte e infarto. Idealmente, o AVE deveria ser analisado em separado deixando o teste de não inferioridade apenas em relação a morte e infarto.

Reflexões:

  • Apesar dos claros vieses do trabalho, devemos tirar o máximo proveito das informações que ele nos trás. Como sempre, o ideal é individualizar os casos e não generalizar (dicto simpliciter) os resultados.

  • A curto prazo, a ICP e a CRM parecem ter resultados semelhantes no paciente com LCE e SYNTAX médio ou baixo. A ICP ainda teria a vantagem de possuir menor morbidade. Dessa forma, se temos um paciente com LCE, moribundo e com risco cirúrgico elevado, talvez a melhor estratégia seja ICP. Porém para pacientes jovens (expectativa de vida maior) e risco cirúrgico aceitável, mesmo com SYNTAX médio ou baixo, a cirurgia parece fornecer melhores resultados no longo prazo.

  • Claramente qualquer trabalho estatístico pode estar sujeito a falácias matemáticas, de forma que não podemos esquecer de todo o resto do conhecimento humano (científico, cultural, anatômico, patológico, moral, etc.) quando analisamos a melhor conduta a ser tomada para o nosso paciente. Charles Seife, em seu livro "Os números (não) mentem" escreve algo interessante a respeito do perigo das falácias matemáticas:

"Números, cifras e gráficos têm sempre um aura de perfeição. Parecem verdades absolutas, inquestionáveis. Mas isso não passa de ilusão. Os números de nosso mundo cotidiano - aqueles com os quais nos importamos - são falhos, e não só porque as medições são imperfeitas. Podem ser alterados, manipulados, torcidos e virados de cabeça para baixo. Por trajarem o alvo manto do fato irrefutável, são dotados de um incrível poder. É por isso que as falsidades matemáticas são tão perigosas."

Não tá afim de ler ? Assista o nosso breve comentário a respeito do tema !

Referências:

  1. N Engl J Med 2019;381:1820-30. DOI: 10.1056/NEJMoa1909406

  2. JACC Cardiovasc Interv. 2017 Aug 14;10(15):1498-1507. doi: 10.1016/j.jcin.2017.05.051.

  3. http://medicinabaseadaemevidencias.blogspot.com/2016/11/stent-no-tronco-excel-trial-fato-ou.html

  4. https://www.medscape.com/viewarticle/919219

  5. https://www.medscape.com/viewarticle/920997#vp_3

  6. https://www.medscape.com/viewarticle/919890

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