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Punção venosa guiada por ultrassonografia: vantagens e características do procedimento

Foto do escritor: Ana Paula TagliariAna Paula Tagliari

A primeira utilização de ultrassonografia (US) ou ecografia para localização e marcação da veia jugular interna data de 1978, seguindo-se da primeira inserção de um cateter venoso guiado por US em 1982 e do primeiro procedimento guiado por US em tempo real em 1986 [1]. Mais de 20 anos depois, em 2011, o implante de cateteres venosos centrais por meio de punção venosa guiada por US foi reconhecido pela a Agência Americana de Pesquisa e Qualidade em Saúde (Agency for Healthcare Research and Quality) como uma das 11 práticas fundamentais para melhorar a segurança do procedimento [2]. Segundo este relatório, a punção guiada por US previne um acidente de punção para cada sete acessos centrais [número necessário para tratar (NNT) =7] e um caso de insucesso para cada cinco tentativas de punção realizadas (NNT=5) [2].

Entre as possíveis utilidades de punções venosas guiadas por US podemos citar a inserção de cateteres venosos centrais, cateteres de longa permanência para diálise ou quimioterapia, cateteres de artéria pulmonar e implante de eletrodos de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis, como marcapassos, desfibriladores e ressincronizadores. Adicionalmente, a US também é utilizada para guiar punções venosas durante procedimentos eletrofisiológicos (ablações, estudos eletrofisiológicos), procedimento cardíacos estruturais (MitraClip, valve-in-valve ou valve-in-ring mitral por acesso transseptal, implante percutâneo de válvula aórtica por acesso transcaval) ou instalação de dispositivos de assistência ventricular (ECMO veno-venoso ou veno-arterial), entre outros.

Uma das principais vantagens da US é permitir a visualização direta dos vasos sanguíneos e suas estruturas adjacentes, como artérias, nervos e pleura, o que torna a punção mais segura, efetiva e rápida [3,4]. Outro importante benefício é facilitar a detecção de complicações, como pneumotórax, mais precocemente inclusive que o próprio controle radiológico. Neste cenário é importante destacar que, enquanto a presença de deslizamento pleural (“pleural sliding”, movimento de deslizamento entre a pleura parietal e visceral) e o sinal de “areia da praia” ao Modo-M (“seashore sign”) são indicativos de um pulmão normalmente aerado; a ausência de deslizamento pleural e a presença de linhas horizontais paralelas acima e abaixo da linha pleural (sinal de “código de barras” ou “barcode” ou “stratosphere sign”) são indicativos da presença de pneumotórax [5].

Quando comparada a outras métodos de punção guiada, como à fluoroscopia e à venografia, o uso da US destaca-se ainda por não requerer exposição à radiação, nem injeção adicional de contraste, o qual pode associar-se a piora de função renal, reação alérgica ou vasoespasmo [6], além de ser um método de baixo custo, fácil aprendizado, reprodutível e portátil.

Características do procedimento:

Nas imagens ultrassonográficas os vasos sanguíneos aparecem como imagens tubulares anecóicas (em preto) devido à transmissão completa das ondas de ultrassom, enquanto o tecido adjacente aparece com diferentes escalas de cinza.

As artérias são facilmente distinguíveis das veias por apresentarem um padrão de fluxo pulsátil e de ampla amplitude ao Modo Doppler, uma aparência mais circular e com paredes mais espessas ao Modo Bidimensional (2D), além de não serem compressíveis com o transdutor.

Já as veias não são pulsáteis e apresentam um padrão de fluxo de baixa amplitude e ondulante ao Modo Doppler, com aparência oval, paredes mais finas e válvula visíveis ao modo 2D, e são facilmente compressíveis e distensíveis a manobras que aumentam o retorno venoso.

Quanto ao transdutor, quanto maior a frequência do transdutor, maior a resolução, porém, menor a profundidade. Por outro lado, quanto menor a frequência, maior a profundidade e menor a resolução. Assim, o transdutor usado preferencialmente para punções venosas é o transdutor linear retilíneo (Transdutor Vascular 5-10 MHz), pois possui alta resolução e boa penetração nos tecidos.

Duas técnicas de punção podem ser realizadas: punção no eixo curto (“out-of-plane”) ou no eixo longo (“in-plane”), com o transdutor posicionado no eixo transversal ou longitudinal, respectivamente. No eixo-curto a veia é vista como uma estrutural circular anecóica e o probe está perpendicular ao curso do vaso. A vantagem da técnica de eixo transversal (eixo curto) é estar associada a uma menor curva de aprendizagem, melhor visualização de estruturas adjacentes e melhor acomodação do pobre em pacientes obesos.

No eixo longitudinal, a veia é vista como uma imagem cilíndrica anecóica e o probe está paralelo ao curso do vaso. A vantagem do eixo longitudinal é prover uma melhor visualização da progressão da agulha e do fio-guia, o que reduz o risco de punção inadvertida da parede posterior do vaso [7].

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Em ambas as técnicas, o operador deve segurar o transdutor com a mão não dominante e a agulha de punção com a mão dominante. Posiciona-se a veia no centro do monitor e realiza-se a inserção da agulha em um ângulo de 45º em relação ao transdutor e equidistante deste com a veia (teorema de Pitágoras). Uma vez ultrapassado a pele, deve-se progredir a agulha em direção a parede anterior da veia. Quando a punção é realizada no eixo-curto, outra técnica bastante utilizada é inserir a agulha em um ângulo agudo e quase paralela ao probe [1].

Punção da veia jugular interna:

Posiciona-se o paciente em posição supina com a cabeça voltada para o lado contralateral e para baixo, cerca de 10° a 15°, em posição de Trendelenburg, objetivando aumentar a ingurgitação vascular e reduzir a possibilidade de embolia aérea. O transdutor é posicionado paralelo e cefálico a clavícula, sobre o triângulo formado pelo músculo esternocleidomastoideo. A punção da veia jugular interna guiada por US apresenta uma taxa de sucesso de 96%-100%, associando-se à redução do tempo para realização da punção, número de tentativas de punção e complicações [8].

Punção da veia axilar:

Algumas características fazem a veia axilar facilmente distinguível da artéria axilar e factível à punção guiada por US, como ausência de pulsação, curso mais medial e superficial que a artéria, compressibilidade pelo transdutor. Escaneamento por US também permite avaliação da patência da veia previamente à realização da punção, o que pode ser particularmente útil em pacientes com cirurgias torácicas prévias, exposição à radioterapia ou com cateteres de diálise implantados9. Para mais detalhes da utilização de punção axilar guiada por US você pode consultar nossos dois artigos recentemente publicados, no quais uma taxa de sucesso de 97.7% foi demonstrada [10,11].

Punção da veia femoral:

A maioria das complicações decorrentes de punção venosa femoral advém de sua proximidade com a artéria femoral, o que pode resultar em uma punção arterial inadvertida, hematoma, sangramento, pseudoaneurisma ou formação de fístula arteriovenosa. Outras complicações incluem injúria nervosa ou parestesia pós-procedimento.

Uma imagem ultrassonográfica clássica, utilizada para guiar à punção venosa femoral, é o “sinal de cabeça de Mickey Mouse” ou “Mickey Mouse sign”, formado pela veia femoral comum (FV) (cabeça), veia safena magna (GSV) e artéria femoral comum (CFA) (orelhas). A visualização deste achado permite a identificação dessas três estruturas e realização de uma punção venosa segura, evitando-se danos à artéria femoral.

Para concluir deixo a citação de Leibowitz A et al em seu artigo Ultrasound Guidance for Central Venous Access: Current Evidence and Clinical Recommendations.

“One may argue that trainees learning the US-guided technique may lose their competency in the landmark technique. While this may actually be true, recent technological advances have been able to make ultrasound accessible to all but the most remote clinicians. In this evolving clinical setting, one must consider the safety of the patients versus the maintenance of skills that may seldom be require of the common practitioner. As evidence is mounting to support ultrasound guidance as a standard of care, it is imperative the professional societies, training programs, and regulating agencies develop a training curriculum for both trainees and staff and require clinicians to demonstrate competency and skills relevant to the practice”.

Referências:

  1. Leibowitz A, Oren-Grinberg A, Matyal R. Ultrasound Guidance for Central Venous Access: Current Evidence and Clinical Recommendations. J Intensive Care Med. 2020 Mar;35(3):303-321. doi: 10.1177/0885066619868164. Epub 2019 Aug 6. PMID: 31387439.

  2. Shojania KG, Duncan BW, McDonald KM, Wachter RM, Markowitz AJ. Making health care safer: a critical analysis of patient safety practices. Evid Rep Technol Assess (Summ). 2001;(43):i-x, 1-668. PMID: 11510252; PMCID: PMC4781305.

  3. Harada Y, Katsume A, Kimata M, Hikosaka T, Yamanaka S, Akashi K, Hosomi Y, Hirano S, Matsubara H. Placement of pacemaker leads via the extrathoracic subclavian vein guided by fluoroscopy and venography in the oblique projection. Heart Vessels. 2005 Feb;20(1):19-22. doi: 10.1007/s00380-004-0797-1. PMID: 15700198.

  4. Jones DG, Stiles MK, Stewart JT, Armstrong GP. Ultrasound-guided venous access for permanent pacemaker leads. Pacing Clin Electrophysiol. 2006 Aug;29(8):852-7. doi: 10.1111/j.1540-8159.2006.00451.x. PMID: 16923001.

  5. Husain LF, Hagopian L, Wayman D, Baker WE, Carmody KA. Sonographic diagnosis of pneumothorax. J Emerg Trauma Shock. 2012 Jan;5(1):76-81. doi: 10.4103/0974-2700.93116. PMID: 22416161; PMCID: PMC3299161.

  6. Duan X, Ling F, Shen Y, Yang J, Xu HY. Venous spasm during contrast-guided axillary vein puncture for pacemaker or defibrillator lead implantation. Europace. 2012 Jul;14(7):1008-11. doi: 10.1093/europace/eus066. Epub 2012 Mar 21. PMID: 22436615.

  7. Flato UA, Petisco GM, Santos FB. Ultrasound-guided venous cannullation in critical care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2009 Jun;21(2):190-6. English, Portuguese. PMID: 25303350.

  8. Domino KB, Bowdle TA, Posner KL, Spitellie PH, Lee LA, Cheney FW. Injuries and liability related to central vascular catheters: a closed claims analysis. Anesthesiology. 2004;100(6):1411-1418.

  9. Seto AH, Jolly A, Salcedo J. Ultrasound-guided venous access for pacemakers and defibrillators. J Cardiovasc Electrophysiol 2013;24:370–4. https://doi.org/10.1111/jce.12005; PMID: 23131025.

  10. Tagliari AP, Kochi AN, Mastella B, Saadi RP, di Leoni Ferrari A, Saadi EK, Polanczyk CA. Axillary vein puncture guided by ultrasound vs cephalic vein dissection in pacemaker and defibrillator implant: A multicenter randomized clinical trial. Heart Rhythm. 2020 Apr 29:S1547-5271(20)30361-1. doi: 10.1016/j.hrthm.2020.04.030. Epub ahead of print. PMID: 32360827.

  11. Tagliari AP, Kochi AN, Mastella B, Saadi RP, di Leoni Ferrari A, Dussin LH, de Moura L, Martins MR, Saadi EK, Polanczyk CA. Ultrasound-Guided Axillary Vein Puncture In Cardiac Lead Implantation: Time To Move To A New Standard Access? Arrhythmia & Electrophysiology Review 2020; epub ahead of press. https://doi.org/10.15420/aer.2020.17.

Sobre a autora:

Ana Paula Tagliari

Cirurgiã cardiovascular e mestra em Ciências Cirúrgicas pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre/ Universidade Federal do Rio Grande do sul.

Cirurgiã cardiovascular do Hospital São Lucas da PUC/RS e Fellow em Intervenções Cardíacas Estruturais Transcateter pela University Hospital of Zurich/ University of Zurich.

 

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