Procedimento de Ross: Definição, Vantagens, riscos, evidências e armadilhas (resumo prático).
- Laio Wanderley
- há 1 dia
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Atualizado: há 6 minutos
O que é o procedimento de Ross?
Troca da válvula e raiz aórtica doente pela válvula pulmonar tricúspide do próprio paciente retirada em bloco
E o que acontece com a pulmonar?
A reconstrução da via de saída do ventrículo direito pode ser feita com homoenxerto (preferencialmente) ou tubo valvado.
Descrita em 1967 por Donald Ross (o brabo! Imagine realizar um procedimento dessa complexidade naquela época). Veja os passos técnicos na imagem e descrição abaixo:

Imagem — Cleveland Clinic (2020)
A ilustração acima, produzida pelo Cleveland Clinic, resume os principais passos da cirurgia de Ross:
"(A) A valva pulmonar do próprio paciente é retirada em bloco (autoenxerto), valva aórtica doente e a raiz é excisada, mantendo os óstios coronarianos (no estilo Bentall) .
(B) O Enxerto pulmonar é implantado na posição aórtica, substituindo a valva doente. Notem que o objetivo é subtituir a valval aórtica, mas a técnica acaba englobando a raiz aórtica também.
(C) Os óstios coronarianos são reimplantados no autoenxerto e um homoenxerto pulmonar (enxerto de doador falecido) é utilizado para reconstruir a via de saída do ventrículo direito.
(D) Aspecto final"
Observação para a realidade brasileira: a disponibilidade limitada de homoenxerto pulmonar nos bancos de tecidos nacionais torna esta estratégia cirúrgica difícil no Brasil. O que alguns autores e cirurgiões sugerem é usar um tubo valvado. Mas temos que ter cuidado com as alternativas técnicas, pois o sucesso a longo prazo depende da adequada substituição da valva pulmonar original por um enxerto valvar de boa durabilidade (sabemos que próteses no lado direito e em pacientes jovens não duram muito).
Qual a armadilha anatômica desse procedimento?
Lesão do primeiro ramo septal da artéria descendente anterior durante a dissecção do autoenxerto pulmonar.

Excelente aula do professor Ismail El-Hamamsy sobre a cirurgia de Ross. Nessa parte da aula, ele demonstra a dissecção -com extremo cuidado- da porção posterior do enxerto pulmonar.
Por que caiu em desuso?
Complexidade técnica e Dúvidas sobre durabilidade no longo prazo
Por que voltou a ser valorizado e discutido?
Estudos recentes (observacionais e restrospectivos, em sua maioria) mostraram:
Boa Sobrevida no longo prazo
Excelente hemodinâmica
Boa qualidade de vida
Baixa taxa de complicações valvares

Ilustração central de um estudo publicado no Journal of the American College of Cardiology (JACC) em 2021 por Aboud et al., abordando a sobrevida global de pacientes submetidos ao procedimento de Ross. Gráfico de Kaplan-Meier mostra a probabilidade de sobrevida ao longo de 25 anos:
Linha vermelha (Ross): Pacientes submetidos ao procedimento de Ross.
Linha azul (População geral): Pessoas da população geral.
Faixa tracejada vermelha (IC 95%): Intervalo de confiança para a sobrevida no grupo Ross.
A sobrevida dos pacientes após Ross é semelhante à da população geral, com p = 0,189 (diferença não significativa).
A curva inferior (linha vermelha escura) representa o risco instantâneo de morte, que permanece muito baixo ao longo do tempo.
Fatores de risco para reintervenção do autoenxerto (válvula pulmonar na posição aórtica):
Anel aórtico muito largo (maior risco de insuficiência aórtica)
Insuficiência aórtica pura antes da cirurgia (anéis mais largos?)
Fatores de risco para reintervenção na via de saída do VD (válvula implantada na posição pulmonar):
Uso de válvula biológica/tubo valvado (degeneração da bioprótese) -> por este motivo o homoenxerto deve ser priorizado.
Pacientes mais jovens.
Causas de reintervenção
Insuficiência da nova valva aórtica (valva pulmonar em posição aórtica)
mecanismo = dilatação do enxerto ou distorção (erro técnico)
Obstrução na via de saída do ventrículo direito (especialmente quando ultilizado biopróteses).
Por que usar o procedimento de Ross na população pediátrica?
O procedimento de Ross pode ser uma opção duradoura para substituir a válvula aórtica em crianças, com várias vantagens importantes:
Sobrevida favorável
Crianças operadas com Ross apresentam taxas de sobrevida elevadas, comparáveis à população saudável.
Excelente desempenho hemodinâmico
A válvula pulmonar do próprio paciente (usada para substituir a válvula aórtica) se comporta de forma muito semelhante à válvula original, com ótimo fluxo sanguíneo.
Potencial de crescimento
Como é um tecido autólogo (do próprio paciente), o enxerto pode crescer junto com a criança, evitando reoperações precoces.
Menor risco de complicações
Menores taxas de infecção (endocardite), trombose e disfunções valvares em comparação com próteses artificiais.
Evita o uso de anticoagulantes
Ao contrário das próteses mecânicas, o Ross dispensa o uso de anticoagulação crônica, o que reduz o risco de sangramentos e facilita a vida da criança e da família.
Por que não utilizar o procedimento de Ross?
Técnica cirúrgica complexa e pouco difundida, o que dificulta sua reprodutibilidade em grande escala.
Dificuldade na obtenção de homoenxerto pulmonar, especialmente no Brasil, limita sua aplicação prática.
Evidências baseadas majoritariamente em estudos observacionais, sujeitos a viés de seleção e centro de excelência, o que pode superestimar os benefícios do método.
Agora que você já leu o resumão, Vamos testar o teu conhecimento com a questão abaixo:
Paciente jovem com estenose aórtica severa e contraindicação ao uso crônico de anticoagulantes será submetido a substituição valvar. Considerando a possibilidade de realizar o procedimento de Ross, assinale a alternativa correta:
A) O procedimento de Ross consiste na substituição da valva aórtica por um tubo valvado sintético e reconstrução da via de saída do VD com homoenxerto.
B) O procedimento de Ross caiu em desuso devido a necessidade obrigatória de anticoagulação vitalícia.
C) O principal fator de risco para reintervenção na via de saída do ventrículo direito é a presença de insuficiência aórtica pura prévia ao procedimento.
D) A dissecção do enxerto pulmonar durante a retirada pode lesar o primeiro ramo septal da artéria descendente anterior, sendo esta uma complicação anatômica relevante do procedimento.
E) A principal vantagem do procedimento de Ross em crianças é evitar a manipulação da valva pulmonar e preservar seu crescimento fisiológico.
Maque a resposta correta
A
B
C
D
Gabarito: D
Comentário:
Alternativa A: Incorreta. No Ross, a valva aórtica é substituída pela valva pulmonar autóloga, e a valva pulmonar é, então, substituída por homoenxerto (tubo valvado sintético é um alternativa possível, mas não ideal).
Alternativa B: Incorreta. O Ross não exige anticoagulação crônica; sua queda e desuso foi principalmente pela complexidade técnica e dúvidas sobre durabilidade.
Alternativa C: Incorreta. A insuficiência aórtica pura é fator de risco para reintervenção no autógeno (posição aórtica), não na via de saída do VD. Nesta, o uso de biopróteses é o principal fator de risco.
Alternativa D: Correta. Durante a dissecção do autoenxerto pulmonar, há risco anatômico de lesão do primeiro ramo septal da ADA.
Alternativa E: Incorreta. O procedimento de Ross envolve retirada da valva pulmonar; a vantagem é que o enxerto pulmonar colocado na posição aórtica permite crescimento, o que é desejável em crianças.
Referências:
Aboud A, Charitos EI, Fujita B, Stierle U, Reil JC, Voth V, Liebrich M, Andreas M, Holubec T, Bening C, Albert M, Fila P, Ondrasek J, Murin P, Lange R, Reichenspurner H, Franke U, Gorski A, Moritz A, Laufer G, Hemmer W, Sievers HH, Ensminger S. Long-Term Outcomes of Patients Undergoing the Ross Procedure. J Am Coll Cardiol. 2021 Mar 23;77(11):1412-1422. doi: 10.1016/j.jacc.2021.01.034. PMID: 33736823.
Moroi MK, Bacha EA, Kalfa DM. The Ross procedure in children: a systematic review. Ann Cardiothorac Surg. 2021 Jul;10(4):420-432. doi: 10.21037/acs-2020-rp-23. PMID: 34422554; PMCID: PMC8339620.
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