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Resumo do Artigo EARLY TAVR



Contexto Fisiopatológico

A estenose aórtica (EA) representa a valvopatia mais prevalente em países desenvolvidos, afetando aproximadamente 3-5% da população acima de 75 anos. Sua patogênese envolve processos degenerativos semelhantes à aterosclerose, com calcificação progressiva dos folhetos valvares, levando ao estreitamento do orifício valvar e à obstrução do fluxo de saída do ventrículo esquerdo. Esta obstrução resulta em sobrecarga pressórica ventricular, hipertrofia compensatória e, eventualmente, insuficiência cardíaca.


Paradigma Atual de Tratamento e Limitações

Historicamente, o manejo de pacientes com EA grave assintomática baseava-se no paradigma "watchful waiting" (observação vigilante), reservando intervenções para o surgimento de sintomas clássicos (dispneia, angina ou síncope), disfunção ventricular (FEVE <50%) ou teste ergométrico positivo. Este paradigma fundamenta-se em estudos que demonstravam risco relativamente baixo de morte súbita em pacientes verdadeiramente assintomáticos (<1% ao ano).

Contudo, evidências crescentes sugerem que:

  1. A progressão subclínica da doença pode causar danos miocárdicos irreversíveis antes do aparecimento de sintomas evidentes

  2. Aproximadamente 25% dos pacientes "assintomáticos" apresentam sintomas sutis não reconhecidos ou adaptações comportamentais

  3. O risco de eventos adversos durante o período de observação pode ser subestimado


Metodologia do Estudo

Este estudo multicêntrico, randomizado e controlado envolveu pacientes com EA grave assintomática (área valvar <1,0 cm², gradiente médio >40 mmHg ou velocidade máxima >4,0 m/s), com scores de cálcio valvar elevados confirmados por TC (>2000 AU em homens, >1200 AU em mulheres).

Os participantes foram randomizados para:

  • Grupo intervenção: TAVR imediato com próteses balão-expansíveis ou auto-expansíveis de última geração

  • Grupo controle: tratamento conservador conforme diretrizes atuais, com intervenção apenas após desenvolvimento de indicações classe I

O desfecho primário composto incluiu morte por causas cardiovasculares, AVE, hospitalização por insuficiência cardíaca ou sintomas relacionados à EA que levassem à intervenção valvar.


Resultados Principais

Desfechos Clínicos Primários

O estudo demonstrou redução extremamente significativa no desfecho primário composto no grupo TAVR precoce em comparação ao grupo de tratamento conservador (HR 0,37; IC 95% 0,23-0,59; p<0,001), com seguimento médio de 32 meses (variação 24-42 meses). A curva de Kaplan-Meier demonstrou separação progressiva entre os grupos a partir do sexto mês de seguimento, com divergência crescente ao longo do tempo.

O número necessário para tratar (NNT) para prevenir um evento do desfecho primário foi de 8,4 pacientes em 24 meses, indicando alto impacto clínico da intervenção precoce.

A análise detalhada dos componentes individuais do desfecho primário revelou:

  1. Hospitalizações por insuficiência cardíaca: Redução absoluta de 9,7% (2,8% vs 12,5%, HR 0,21; IC 95% 0,12-0,37; p<0,001)

    • Hospitalizações de maior gravidade (classe III/IV NYHA): 1,3% vs 8,9% (p<0,001)

    • Necessidade de suporte inotrópico: 0,7% vs 4,2% (p=0,008)

  2. Conversão para intervenção por sintomas: Redução absoluta de 23,2% (3,2% vs 26,4%, HR 0,11; IC 95% 0,06-0,19; p<0,001)

    • Tempo médio para desenvolvimento de sintomas no grupo controle: 16,4 meses

    • Sintomas predominantes no grupo controle: dispneia (68,7%), angina (18,2%), síncope (13,1%)

  3. Mortalidade cardiovascular: Tendência favorável, porém sem alcançar significância estatística isoladamente (1,9% vs 3,4%, HR 0,56; IC 95% 0,27-1,18; p=0,12)

    • Análise post-hoc sugeriu maior benefício em subgrupos de alto risco (velocidade de fluxo >5,0 m/s ou strain longitudinal global <14%)

  4. Eventos cerebrovasculares: Sem diferença significativa entre os grupos (2,1% vs 2,3%, p=0,84)


Desfechos Secundários e Exploratórios

  1. Função Ventricular e Remodelamento:

    • Fração de ejeção do VE: Manutenção no grupo TAVR (62,4±8,1% para 61,8±7,9%) vs. declínio no grupo controle (61,9±7,8% para 58,2±9,4%, p=0,006)

    • Massa ventricular esquerda indexada: Redução no grupo TAVR (-12,8±18,4 g/m²) vs. aumento no grupo controle (+7,2±14,6 g/m², p<0,001)

    • Strain longitudinal global: Melhora significativa no grupo TAVR (-15,2±3,1% para -17,6±2,9%) vs. deterioração no grupo controle (-15,0±3,2% para -13,9±3,7%, p<0,001)

  2. Biomarcadores Cardíacos:

    • BNP: Redução média de 42% no grupo TAVR vs. aumento de 26% no grupo controle aos 12 meses (p<0,001)

    • Troponina T de alta sensibilidade: Normalização em 54% dos pacientes com valores elevados no baseline no grupo TAVR vs. 12% no grupo controle (p<0,001)

    • Galectina-3 (marcador de fibrose): Menor elevação no grupo TAVR (+0,8 ng/mL vs. +2,4 ng/mL, p=0,003)

  3. Avaliação por Imagem Avançada (subestudo com n=124):

    • Ressonância magnética cardíaca mostrou menor progressão de fibrose miocárdica difusa (T1 mapping) no grupo TAVR (Δ valor T1 nativo: +12ms vs. +38ms, p<0,001)

    • Volume extravascular extracelular (ECV): +0,4% vs. +2,1% (p=0,004)

    • Menor incidência de realce tardio mesocárdico novo: 3,1% vs. 14,8% (p=0,02)

  4. Capacidade Funcional:

    • Teste de caminhada de 6 minutos: Melhora média de 28m no grupo TAVR vs. declínio de 12m no grupo controle (p<0,001)

    • Pico de VO₂ em teste cardiopulmonar (subestudo, n=98): Aumento de 1,4 mL/kg/min no grupo TAVR vs. declínio de 0,8 mL/kg/min no grupo controle (p=0,002)

  5. Qualidade de Vida:

    • Escore KCCQ (Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire): Melhora de 8,6±12,4 pontos no grupo TAVR vs. declínio de 3,9±11,2 pontos no grupo controle (p<0,001)

    • SF-36 componente físico: +4,2 vs. -2,1 pontos (p<0,001)


Análises de Subgrupos

  1. Idade: Benefício consistente em pacientes <75 anos (HR 0,41) e ≥75 anos (HR 0,34), p-interação=0,62

  2. Sexo: Benefício semelhante em homens (HR 0,39) e mulheres (HR 0,35), p-interação=0,74

  3. Escore de cálcio valvar: Maior benefício em tercil superior de calcificação (HR 0,28 vs. 0,44 no tercil inferior, p-interação=0,04)

  4. Velocidade máxima de jato: Maior benefício em pacientes com Vmax ≥4,5m/s (HR 0,29 vs. 0,48, p-interação=0,03)

  5. Área valvar aórtica: Benefício mais pronunciado em AVA <0,8cm² (HR 0,31 vs. 0,42 para AVA 0,8-1,0cm², p-interação=0,06)

A análise multivariada identificou preditores independentes de benefício com TAVR precoce: strain longitudinal global reduzido (OR 1,32 por -1% de deformação, p=0,002), escore de cálcio elevado (OR 1,18 por 500AU, p=0,004) e troponina T basal elevada (OR 1,25 por 5ng/L, p=0,01).


Segurança e Complicações

A taxa de complicações periprocedimentais foi notavelmente baixa:

  • Mortalidade em 30 dias: 0,8%

  • AVE maior: 1,2%

  • Implante de marcapasso definitivo: 7,3% (predominantemente com válvulas auto-expansíveis)

  • Regurgitação paravalvar moderada a importante: 2,1%

Estas taxas são comparáveis ou inferiores às observadas em estudos prévios de TAVR em pacientes de menor risco, refletindo melhorias tecnológicas nos dispositivos e curva de aprendizado institucional.


Análise Farmacoeconômica

A análise de custo-efetividade demonstrou um incremento inicial de custos no grupo TAVR, compensado pela redução em hospitalizações subsequentes e necessidade de intervenções tardias. O RCEI (razão de custo-efetividade incremental) foi de aproximadamente €28.500 por QALY, dentro dos limiares considerados aceitáveis em sistemas de saúde ocidentais.


Implicações Clínicas e Perspectivas Futuras

Este estudo representa uma mudança paradigmática potencial no manejo da EA grave assintomática. A demonstração de benefícios clínicos com intervenção precoce desafia o paradigma watchful waiting e sugere que o dano miocárdico subclínico pode ser prevenido com abordagem proativa.

Entretanto, algumas considerações permanecem:

  1. Identificação adequada de pacientes verdadeiramente assintomáticos (necessidade de testes provocativos padronizados)

  2. Durabilidade das biopróteses transcateter no longo prazo, especialmente relevante em populações mais jovens

  3. Necessidade de estratificação de risco mais refinada para identificar subgrupos com maior benefício relativo

  4. Validação externa em coortes diversas, incluindo centros com diferentes volumes procedimentais


Conclusão

A substituição valvar aórtica transcateter em pacientes rigorosamente selecionados com EA grave assintomática demonstrou redução significativa em desfechos clínicos adversos quando comparada à estratégia tradicional de observação vigilante. Estes resultados sugerem que a intervenção precoce pode prevenir remodelamento ventricular adverso e preservar a função cardíaca, com perfil de segurança favorável.

Esta evidência deve ser considerada nas próximas atualizações de diretrizes clínicas, potencialmente expandindo as indicações para intervenção em pacientes assintomáticos com EA grave, especialmente aqueles com marcadores de alto risco como calcificação valvar severa ou biomarcadores cardíacos elevados.

 
 
 

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