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Análise sobre competição de fluxo e uso da artéria radial para revascularização do miocárdio.

Atualizado: 15 de mar. de 2021


Ref: Blitz A, Osterday RM, Brodman RF. Harvesting the radial artery. Ann Cardiothorac Surg 2013;2(4):533-542. doi: 10.3978/j.issn.2225-319X.2013.07.10

A artéria radial é uma dentre as várias opções de enxertos que podem ser utilizados para a realização da cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM). Juntamente com a veia safena magna, é um dos enxertos mais usados, com várias evidências demonstrando a sua eficácia. Porém, alguns conceitos devem ser absorvidos antes de se indicar o uso rotineiro da artéria radial.

É de conhecimento amplo que a patência (ou seja, o tempo que eles permanecem pérvios, desobstruídos) dos enxertos usados na CRM depende de inúmeros fatores, dentre os quais um dos principais é o grau de obstrução da coronária.

O grau de obstrução das coronárias, indiretamente, indica qual será o grau de competição de fluxo entre o enxerto vs. leito coronariano. Quando falamos em competição de fluxo, temos que ter em mente que o fluxo proveniente da artéria coronária irá, em algum grau, competir com o fluxo do enxerto, tendo em vista que essas duas fontes de sangue agora estão unidas pela anastomose realizada pelo cirurgião. A questão é que quanto menor o grau de obstrução, maior será o fluxo coronariano após a lesão e maior será a competição de fluxo com o enxerto. Esse cenário de alto fluxo competitivo pode ocorrer quando a estenose coronariana é moderada e/ou o enxerto usado é fino.

Figura 01: Ilustração didática que demostra a região de anastomose da artéria torácica interna esquerda (LIMA) e descendente anterior (LAD). Na imagem A, a estenose na LAD proximal é moderada gerando um alto fluxo competitivo e na imagem B, a estenose é importante gerando baixo fluxo competitivo. As setas indicam a direção do fluxo; sua espessura é proporcional à magnitude do fluxo [1].

E qual a consequência da competição de fluxo?

A competição pode reduzir o fluxo através do enxerto, provocando trombose do mesmo. Em outras palavras, quanto maior a competição de fluxo, maior o risco de trombose. Nesse contexto, a artéria radial é especialmente sensível se comparada a veia safena.

E por qual motivo a artéria radial é mais sensível a competição de fluxo [2]?

Outra variável que entra nessa equação, além do grau de estenose coronariana, é o calibre do enxerto. A arterial radial naturalmente possui um calibre menor quando comparada a veia safena magna, possuindo maior risco de trombose se for submetida a um leito coronariano competitivo. Nessa conjuntura vale a pena revisar os conceitos da Lei de Poiseuille (clique aqui): quanto menor o calibre (raio) de um tubo (neste caso, o enxerto), maior será a resistência e menor será o fluxo. A redução de fluxo, como já citado, se traduz em um risco maior de trombose do enxerto.

Dessa forma, podemos perceber que, pesando somente as variáveis calibre do enxerto, grau de estenose coronária e competição de fluxo, a artéria radial, por ser mais fina quando comparada a safena magna, não suporta leitos coronarianos competitivos e/ou com resistência elevada.

Seguindo esse raciocínio e as evidências disponíveis, a diretriz européia de 2018 [3] recomenda o uso da artéria radial sobre a veia safena em pacientes com estenose arterial coronariana de alto grau (I, B).

Pois bem, mas o que significaria exatamente "estenose de alto grau"?

Para responder essa pergunta deixada em aberto pelos europeus, temos que revisitar as diretrizes da ACCF/AHA de 2011 que recomendam (IIb) que a artéria radial seja usada apenas para uma estenose > 70% no território lateral e > 90% no território inferior [4-5]. Percebam que além do grau de estenose, os americanos levam em conta o território a ser revascularizado pela artéria radial.

Resumo e reflexões:

  • Estenose coronariana de alto grau (> 70% no território lateral e > 90% no território inferior) = podemos usar enxerto de artéria radial como uma segunda opção.

  • A artéria radial, apesar de não ser amplamente utilizada, é uma ótima opção de enxerto, mas devemos indicar de maneira cautelosa. Pontes para o território da coronária direita e estenose coronariana moderada são situações perigosas para radial.

  • Estenose coronariana moderada (50-70%) = optar por enxerto de veia safena magna (maior calibre, maior fluxo, maior tolerância a competição de fluxo).

  • Quanto a comparação entre artéria radial vs. safena magna, recomendo ler a postagem "ACC 2020: Os vieses da meta-análise que comparou artéria radial vs. safena para revascularização do miocárdio (clique aqui)".

Se o leitor preferir, com o intuito de facilitar a absorção do conhecimento, tu podes assistir nosso Screencast sobre o tema:

Referências:

  1. Swillens, Abigail et al. “Effect of the degree of LAD stenosis on “competitive flow” and flow field characteristics in LIMA-to-LAD bypass surgery.” Medical & Biological Engineering & Computing 50 (2012): 839-849.

  2. Dreifaldt M, Mannion JD, Geijer H, Lidén M, Bodin L, Souza D, The No touch saphenous vein is an excellent alternative conduit to the radial artery eight years after CABG: A randomized trial, The Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery (2019), doi: https:// doi.org/10.1016/j.jtcvs.2019.09.177.

  3. Sousa-Uva M, Neumann F-J, Ahlsson A, Alfonso F, Banning AP, Benedetto U et al.; ESC Scientific Document Group. 2018 ESC/EACTS guidelines on myocardial revascularization. Eur J Cardiothorac Surg 2019;55:4–90.

  4. Hillis LD, Smith PK, Anderson JL, Bittl JA, Bridges CR, Byrne JG et al.; Society of Thoracic Surgeons. 2011 ACCF/AHA guideline for coronary artery bypass graft surgery. A report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Developed in collaboration with the American Association for Thoracic Surgery, Society of Cardiovascular Anesthesiologists, and Society of Thoracic Surgeons. J Am Coll Cardiol 2011;58:e123–210.

  5. Wingo M, Gaudino MF. RADIAL meta- analysis: following the rules usually pays off. J Thorac Dis 2018;10(11):E785-E786. doi: 10.21037/jtd.2018.10.75

  6. Gaudino M, Chikwe J, Falk V, Lawton JS, Puskas JD, Taggart DP. Transatlantic editorial: the use of multiple arterial grafts for coronaryrevasculari- zation in Europe and North America. Eur J Cardiothorac Surg 2020; doi:10.1093/ejcts/ezaa077

  7. Blitz A, Osterday RM, Brodman RF. Harvesting the radial artery. Ann Cardiothorac Surg 2013;2(4):533-542. doi: 10.3978/j.issn.2225-319X.2013.07.10

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