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Perfusão Cerebral Retrógrada na Cirurgia Cardíaca em 04 Tópicos (o que você precisa saber)


1) Definição:


A perfusão cerebral retrógrada (RCP) é uma técnica utilizada durante cirurgias cardíacas, especialmente na reconstrução do arco aórtico. Ela consiste em direcionar o fluxo sanguíneo para o cérebro no sentido inverso, através da veia cava superior, durante a parada circulatória. Isso ajuda a manter o fornecimento de oxigênio e nutrientes ao tecido cerebral durante períodos prolongados de parada circulatória, enquanto remove ar e detritos das artérias aórticas, reduzindo o risco de embolização para o cérebro.


2) Por que Optar pela Perfusão Cerebral na Cirurgia Cardíaca:


Durante certas cirurgias cardíacas, como a reconstrução do arco aórtico, é necessária uma parada circulatória profunda hipotérmica (DHCA) para proteger o cérebro. No entanto, DHCA tem suas limitações e pode aumentar o risco de complicações, como acidente vascular cerebral (AVC), especialmente após 45 minutos de parada circulatória -além do risco de morte que aumenta drasticamente após 60 min. Para estender o tempo de proteção e reduzir esses riscos, estratégias como RCP e perfusão cerebral anterógrada (ACP) são utilizadas.


3) Perfusão Cerebral Retrógrada versus Anterógrada: qual a melhor?


Clique na imagem para ampliar.


Fonte: Referência 02


Enquanto a RCP direciona o fluxo sanguíneo para o cérebro no sentido inverso, a ACP faz isso no sentido normal, através das artérias carótidas.


A RCP foi a primeira técnica a ser introduzida e tem a vantagem de oferecer tanto segurança quanto simplicidade. Porém, estudos em modelos animais sugeriram que a RCP pode não ter a mesma efetividade de perfundir o cérebro se comparado a perfusão anterógrada, levantando preocupações sobre sua eficácia. A tese é que o sangue da RCP alcança o sistema arterial através de shunts arteriovenosos, sem passar pelo parênquima cerebral.


Outra comparação que podemos fazer é que a RCP é realizada durante DHCA, ela está associada a tempos de circulação extracorpórea mais longos, bem como a efeitos colaterais relacionados à hipotermia profunda. O desempenho da RCP em temperaturas mais elevadas, na faixa de hipotermia moderada, não foi amplamente estabelecido. Por sua vez, a ACP pode ser realizada em temperaturas maiores (hipotermia moderada), evitando o tempo de CEC de resfriamento e os efeitos deletérios da hipotermia.


O fato é que hoje a técnica mais usada e aceita é a ACP, com alguns relatórios demonstrando que, tanto na Europa quanto no Japão, menos de um terço dos centros especializados em cirurgias da Aorta utilizam RCP de rotina.


4) Quais são os principais benefícios da RCP?


A RCP é atraente em sua simplicidade. O principal benefício dela é a de eliminar detritos ateroscleróticos e ar (também sendo indicada nos casos de embolia aéra iatrogênica) da circulação cerebral. Além disso, essa estratégia pode manter a hipotermia cerebral enquanto a circulação está parada e evita a manipulação dos grandes vasos com seu potencial para êmbolos ateroscleróticos.


Do ponto de vista técnico, o campo operatório tende a ficar mais “limpo”, devido à menor necessidade de uso de clamps a cânulas adicionais. Há também a não necessidade de canulação de vasos supra aórticos ou subclávia/axilar, o que evita possíveis lesões causadas pela canulação.


5) Estudos e Evidências sobre a RCP:


Estudo realizado por Gaudino et al., em 2018, aplicou o método de RCP de forma consecutiva em 10 pacientes e avaliou a perfusão do parênquima cerebral. A RCP foi administrada através da cânula da cava superior com um fluxo de 150–300 mL/min a 14 ℃, mantendo a pressão venosa central ≤30 mmHg. Os autores concluíram, apesar das limitações do estudo, que a RCP é capaz de gerar perfusão do parênquima cerebral em humanos durante a DHCA.


Girardi et al., em 2014, avaliaram retrospectivamente 879 pacientes submetidos à reconstrução do arco aórtico usando RCP de julho de 1997 a março de 2013. A disfunção neurológica permanente ocorreu em apenas 1,3% vs 1,9%, P <0,519. Os autores concluíram que a RCP é um adjuvante seguro e eficaz para a proteção cerebral durante a cirurgia do arco aórtico.


Um dos poucos estudos prospectivos que comparou as duas técnicas, conduzido por Okita et al, demonstrou que ambos os métodos resultaram em níveis aceitáveis de mortalidade e morbidade. No entanto, a prevalência de disfunção cerebral transitória foi significativamente maior em pacientes com RCP.


Apesar de haver não haver uma evidência clara (um estudo randomizado bem delineado) de superioridade de uma técnica sobre a outra, a plausibilidade da ideia de um fluxo anterógrado fisiológico, e os resultados de estudos publicados até então, levou uma aceitação maior das técnicas de perfusão anterógrada. Entretando, a RCP pode ser uma opção válida em casos de tempos de parada circulatória mais curtos, não superiores a 30 min.


Estudo publicado por M.Montagner et al, concluindo que as as três estratégias de perfusão cerebral avaliadas (ACP unilateral, bilateral e RCP) fornecem resultados semelhantes em relação aos déficits neurológicos pós-operatórios e à sobrevivência perioperatória. A mensagem foi final do artigo: as 03 opções podem ser implamentadas e devem fazer parte do arsenal do cirurgião.


Fonte: referência 6


Take-home message


  • Apesar dos  debates sobre sua eficácia, a RCP ainda é técnica plausível na proteção cerebral durante cirurgias cardíacas.

  • ACP é a técnica mais usada, com publicações sugerindo menor taxa de eventos neurológicos, perfusão provavelmente melhor e aceitação de temperaturas de parada circulatória maiores. 

  • O principal benefício da RCP é a de eliminar detritos ateroscleróticos e ar da circulação cerebral.

  • A RCP pode ser uma opção válida em casos de tempos de parada circulatória mais curtos.



Referências:


1.Girardi LN, Shavladze N, Sedrakyan A, Neragi-Miandoab S. Safety and efficacy of retrograde cerebral perfusion as an adjunct for cerebral protection during surgery on the aortic arch. J Thorac Cardiovasc Surg. 2014 Dec;148(6):2927-33. doi: 10.1016/j.jtcvs.2014.07.024. Epub 2014 Jul 30. PMID: 25173126.

2.Pitts, Leonard, Markus Kofler, Matteo Montagner, Roland Heck, Jasper Iske, Semih Buz, Stephan Dominik Kurz, Christoph Starck, Volkmar Falk, and Jörg Kempfert. 2023. "Cerebral Protection Strategies and Stroke in Surgery for Acute Type A Aortic Dissection" Journal of Clinical Medicine 12, no. 6: 2271. https://doi.org/10.3390/jcm12062271


3.Gaudino M, Ivascu N, Cushing M, Lau C, Gambardella I, Di Franco A, Ohmes LB, Munjal M, Girardi LN. Retrograde perfusion through superior vena cava reaches the brain during circulatory arrest. J Thorac Dis. 2018 Mar;10(3):1563-1568. doi: 10.21037/jtd.2018.01.166. PMID: 29707307; PMCID: PMC5906296.


4.Okita Y, Minatoya K, Tagusari O, Ando M, Nagatsuka K, Kitamura S. Prospective comparative study of brain protection in total aortic arch replacement: deep hypothermic circulatory arrest with retrograde cerebral perfusion or selective antegrade cerebral perfusion. Ann Thorac Surg. 2001 Jul;72(1):72-9. doi: 10.1016/s0003-4975(01)02671-6. PMID: 11465234.


5.Souza, M.H.L. Elias, D.O. Fundamentos da Circulação Extracorpórea Segunda Edição Rio de Janeiro, 2006.


6.MontagnerM,KoflerM,PittsL,HeckR,BuzS,KurzSetal.Matched comparison of 3 cerebral perfusions trategiesin open zone 0 anastomosisforacutetypeAaorticdissection.EurJCardiothoracSurg2022;doi:10.1093/ejcts/ezac214.




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