Escolha do tamanho da prótese valvar aórtica: como fazer em 03 passos?
Fonte: Referência 01
A escolha do tamanho da prótese valvar aórtica é um passo fundamental na estratégia da cirurgia de implante valvar.
A importância de saber escolher o tamanho da prótese visa minimizar as chances de desproporção prótese-paciente (DPP), também conhecida na prática como mismatch, e as suas consequências.
Mas como definir o tamanho de prótese ideal para o paciente ?
Os 03 passos básicos que temos que seguir são:
1 . Primeiro passo: Calcular a área da superfície corporal (ASC) do paciente.
Com o peso e a altura do paciente, facilmente é possível calcular a ASC com as calculadoras on-line ou aplicativos. Alguns laudos de ecocardiograma já trazem esse cálculo facilitando a obtenção dessa informação.
A lógica em saber a ASC do paciente se baseia no fato de que pessoas de diferentes pesos e alturas irão ter proporções diferentes e consequentemente anel aórtico e área valvar de diferentes diâmetros.
Dessa forma, quanto maior for a ASC do paciente, maior será a área do orifício valvar aórtico e, consequentemente, o tamanho da prótese valvar.
2 . Segundo passo: multiplicar a ASC por 0,85 cm2/m2.
A constante 0,85 cm2/m2 representa a área efetiva* do orifício valvar aórtico (AEO) mínima necessária para que não haja resistência a ejeção do sangue pelo ventrículo esquerdo (VE). Em termos técnicos, a AEO corresponde à menor área do jato que passa pela prótese ao sair da válvula (veia contracta) tendo um valor mais funcional do que anatômico.
A área efetiva do orifício da valva aórtica após a cirurgia de implante valvar, por motivos lógicos, terá relação com a área da própria prótese. Assim sendo, antes mesmo de implantar a prótese temos como fazer a relação adequada entre a área da prótese valvar com a área mínima que o paciente precisa para que o ventrículo esquerdo possa bater sem nenhuma resistência.
Quando a AEO da prótese é muito pequeno em relação a superfície corporal do paciente - menor que 0,85 cm2/m2 - o resultado será a incapacidade do ventrículo esquerdo ejetar sangue suficiente para o corpo, representada por índice cardíaco insatisfatório e gradiente de pressão, definindo a DPP.
Se, por exemplo, um paciente tem a ASC de 1,80 m2, fazendo a multiplicação 1,80 pela constante 0,85 teremos como resultado 1,53 cm2. Este será a área efetiva do orifício valvar mínima do paciente para não haja DPP.
Vale lembrar que DPP é muito deletério ao paciente e, quanto pior essa desproporção, maior a mortalidade. É só imaginar que uma prótese pequena em um paciente grande irá se comportar fisiopatologicamente de forma muito semelhante a estenose aórtica.
3. Terceiro passo: Escolher o tamanho da prótese valvar conforme o resultado encontrado no segundo passo e relacionar com as especificações do fabricante.
O terceiro passo é o mais traiçoeiro. O erro mais comum pra quem está começando na cirurgia cardíaca é achar que determinado tamanho da prótese de todas as empresas possuem AEO iguais. Cada marca de prótese, conforme o seu desenho, geometria e perfil, terá uma área efetiva do orifício valvar diferente.
Dessa forma, é fundamental ter a tabela de especificações da marca da prótese que será usada na cirurgia, não sendo aceitável relacionar o AEO do paciente com as especificações de outra marca.
A tabela acima mostra as diferentes marcas e tipos de próteses, e suas respectivas AEO. Observem que, para o mesmo tamanho de prótese, as diferentes marcas e modelos irão apresentar AEO diferentes.
Fonte: Referência 02
Tabela de especificações da bioprótese da Braile, uma das próteses mais usadas no Brasil. Observem que a área efetiva do orifício da prótese (área funcional) não tem relação nenhuma com os seus diâmetros (área anatômica ou geométrica).
Portanto, para aquele nosso exemplo onde o paciente tinha uma AEO mínima de 1,53 cm2, para se evitar DPP o cirurgião precisa implantar uma bioprótese Braile de no mínimo tamanho 23, que possui uma AEO de 1,72 cm2.
Em resumo:
Primeiro passo:
Calcular a área da superfície corporal (ASC) do paciente.
Segundo passo:
multiplicar a ASC por 0,85 cm2/m2 encontrando a área efetiva do orifício (AEO) valvar mínima do paciente.
Terceiro passo:
Escolher o tamanho da prótese valvar conforme o resultado encontrado no segundo passo e as especificações do fabricante
A lógica é que a área efetiva do orifício da prótese seja sempre maior que AEO mínima encontrada no segundo passo.
*O termo efetivo se refere a área que efetivamente o sangue irá passar excluindo o anel que suporta o tecido da prótese. Observa-se que o AEO é um termo funcional não tendo relação nenhuma com o área do orifício anatômico ou geométrico.
Imagem retirada do livro "Heart Valve Surgery: An Illustrated Guide" dos professores Jan Dominik e Pavel Zacek. Observem as diferenças entre a área geométrica da prótese (GEO), e a área efetiva (AEO).
Referências:
1. Circulation. 2019;139:2685–2702. DOI: 10.1161/CIRCULATIONAHA.118.038408
2. Heart. 2006 Aug; 92(8): 1022–1029. Published online 2005 Oct 26. doi: 10.1136/hrt.2005.067363
3. Effective orifice area index calculator. Pocket Guide. St. Jude Medical