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Desvendando a Resistência à Heparina em Cirurgia Cardíaca

Na complexidade da cirurgia cardíaca, onde boa partes das cirurgias necessitam de heparinização plena, um dos desafios enfrentados é a resistência à heparina, um fenômeno que demanda uma compreensão de como a antitrombina, ou antitrombina III (AT-III), e a heparina interagem. Vamos explorar esse tema de forma didática para os cirurgiões cardíacos, residentes, perfusionistas e acadêmicos de medicina.


Compreendendo e definindo a Resistência à Heparina


A resistência à heparina é uma situação em que os pacientes necessitam de doses elevadas deste anticoagulante para atingir níveis terapêuticos adequados.


Podemos definir, como sendo a incapacidade de atingir um TCA alvo (geralmente 400 a 480 segundos) após uma dose adequada de heparina (geralmente 200-400 unidades/kg). Isso pode ser observado em até 22% dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea.


Diversos fatores podem contribuir para esse fenômeno, incluindo deficiência de antitrombina, aumento da liberação ou níveis de heparina ligada a proteínas plasmáticas, elevações de fibrinogênio e fator VIII, além do uso de certos medicamentos. É importante notar que a deficiência heterozigota da antitrombina é relativamente rara, afetando cerca de 0,2 a 0,4% da população.


O Papel da Antitrombina (AT-III)


A antitrombina é uma molécula vital que age como um freio na coagulação sanguínea. Funciona neutralizando várias enzimas envolvidas na coagulação, incluindo a temida trombina. Esta proteína plasmática é essencial para inibir não apenas a trombina, mas também os fatores Xa, IXa e XIa, prevenindo assim a formação de coágulos.


O Elo com a Heparina


A heparina, por sua vez, desempenha um papel crucial ao se ligar à antitrombina III, ampliando sua capacidade de inibir a trombina em até 1.000 a 4.000 vezes. Dessa forma, é fundamental entender que o efeito da heparina depende muito da atividade e concentração da antitrombina no plasma sanguíneo. 


Notem que o efeito anticoagulante da heparina ocorre majoritariamente através da ligação da antitrombina com a trombina e o fator X ativado (fXa).


De maneira paradoxal, a mesma heparina pode promover a deficiência da antitrombina e reduzir a sua atividade global. Na população de pacientes cirúrgicos, por exemplo, a resistência se deve mais frequentemente à deficiência adquirida de antitrombina III (ATIII) resultante da exposição pré-operatória à heparina. Nos pacientes em ECMO, a deficiência adquirida de antitrombina também é comum e multifatorial, se devendo principalmente a anticoagulação contínua e de longo prazo, bem como a uma série de outros fatores, incluindo ação de elastase de neutrófilos ativados e coagulação intravascular disseminada.


Abordagens Terapêuticas


Para lidar com a resistência à heparina, é crucial considerar estratégias específicas. O concentrado de Antitrombina III é indicado para o tratamento intraoperatório de pacientes submetidos a cirurgia cardíaca que apresentam resistência à heparina devido a uma deficiência presumida de antitrombina III. Essa resistência compromete a anticoagulação segura e adequada durante o uso de circulação extracorpórea.


Além disso, o uso de plasma fresco congelado (FFP) pode ser considerado como uma opção terapêutica, por se acreditar que ele pode neutralizar a resistência à heparina. Analisando as publicações das últimas décadas, podemos notar que há escassez de evidências sobre o tratamento da resistência à heparina com FFP, com poucos estudos identificados, e em sua maioria  retrospectivos, um ensaio in vitro e relatos de casos, não havendo nenhuma randomização.


Dessa forma, é importante ponderar os benefícios e riscos (e principalmente as evidências!) associados a cada abordagem, incluindo potenciais complicações relacionadas à transfusão e custos associados com o uso da antitrombina. Algumas publicações sugerem que o concentrado de Antitrombina III  é mais  eficiente com benefícios incluindo menor volume de administração, menor risco de TRALI e menor risco de infecções relacionadas à transfusão.


Conclusão


A resistência à heparina é um desafio complexo em cirurgia cardíaca, exigindo uma compreensão da interação entre a antitrombina e a heparina. Ao compreendermos o papel vital da antitrombina na coagulação sanguínea e os mecanismos subjacentes à resistência à heparina, podemos desenvolver estratégias mais eficazes para lidar com esse fenômeno, melhorando assim os resultados clínicos para nossos pacientes.




REFERENCIAS:

  1. Chen Y, Phoon PHY, Hwang NC. Heparin Resistance During Cardiopulmonary Bypass in Adult Cardiac Surgery. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2022 Nov;36(11):4150-4160. doi: 10.1053/j.jvca.2022.06.021. Epub 2022 Jun 24. PMID: 35927191; PMCID: PMC9225936.

  2. Beattie GW, Jeffrey RR. Is there evidence that fresh frozen plasma is superior to antithrombin administration to treat heparin resistance in cardiac surgery? Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2014 Jan;18(1):117-20. doi: 10.1093/icvts/ivt327. Epub 2013 Sep 7. PMID: 24014620; PMCID: PMC3867026.

  3. Rodgers, George & Mahajerin, Arash. (2023). Antithrombin Therapy: Current State and Future Outlook. Clinical and Applied Thrombosis/Hemostasis. 29. 10.1177/10760296231205279.


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