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Revisão: Agentes Hemostáticos Tópicos


Eis que você está para terminar aquela grande cirurgia de dissecção de aorta, de 3h de CEC, cansado porém satisfeito pelo resultado. Reverte a heparinização e nota que o campo cirúrgico lentamente volta a encher. Checa TCA e o resultado bate com o pré cirúrgico. Revisa todos os locais anatômicos e apenas encontra uma babação na linha de sutura proximal da aorta. O que fazer?



Nessa e em muitas outras situações parecidas, onde meios como bisturi elétrico ou suturas não irão ajudar à hemostasia, o cirurgião dispõe em seu arsenal de vários agentes hemostáticos tópicos (AHT para facilitar) para controlar sangramentos.



O que são?


Os AHT são adjuvantes locais que irão agir de várias maneiras para controlar o sangramento quando meios convencionais (bisturi elétrico ou suturas) não são úteis ou práticos – como por exemplo sangramentos em nervos, em suturas vasculares friáveis, medula óssea, sangramento por ‘babação’ difusa, etc.



São divididos em duas grandes categorias:


Agentes físicos: Promovem hemostasia através da estimulação de plaquetas e da via extrínseca do complemento, absorvem água – resultando em concentração de fatores hemostáticos no local e tamponam fisicamente os vasos.


Exemplos:




Cera de osso: Feito de um composto de parafina com cera de abelha, é um agente barato que fisicamente tapa os poros da medula óssea e controla o sangramento. É efetivo, porém deve ser usado na menor quantidade possível pois está associada à maior taxa de infecção, formação de granuloma ósseo e impedimento de cicatrização do osso. Não é absorvido.




Ostene: Também um composto a base de cera, adicionando água, sendo biodegradável em até três semanas. Tem efeito hemostático comparável a cera de osso, porém superior no quesito de não dificultar a cicatrização 1.




Agentes de matriz seca: Ativam a cascata de coagulação e servem de alicerce para o deposito de trombo, além de secar o local. Pouco eficazes quando o sangramento é vivo e constante. Grande exemplo são os compostos de celulose oxidada regenerada (Surgicel Nu-Knit, Fibrillar, SNoW) e os de gelatina derivada de matriz animal, em geral de porcinos - podem absorver até 4 vezes seu peso em líquidos. (Gelfoam, Surgifoam).


Curiosidade: Ordem de efetividade dos AHT Surgicel: Fibrillar > Nu-Knit > Original 2.


Agentes biológicos: Sua ação é de basicamente aumentar a hemostasia do paciente, localmente; cada agente atua de maneira diferente.


Exemplos:



Trombina tópica: Útil para sangramentos difusos, pode ser usada pulverizada em superfície ou em local especifico. Quando apresentada em forma de gelatina, é particularmente útil para controle de sangramento em suturas vasculares devido a ser liquida, podendo tapar os furos de agulhas. Exemplos: Floseal, Surgiflo (ambos combinam trombina + matriz de gelatina).



Selantes de fibrina: Por ser independente das etapas iniciais da coagulação, funcionam mesmo em pacientes com discrasia sanguínea 3. Geralmente disponíveis em dois frascos separados, um contendo fibrinogênio e fator XII e o outro com trombina e cálcio, que quando misturados, logo antes do uso, formam rapidamente uma geleia, um coágulo. Também útil para controle de sangramentos de estruturas vasculares / anastomoses 4. Apesar de poucos os ensaios clínicos testando sua eficácia, os que existem pontuam mais efetividade no controle do sangramento em re-operações de cirurgia cardíaca quando comparado a agentes físicos 5, e associam a menor necessidade de transfusão e perda sanguínea 6. São exemplos Evicel, Tiseel,




Ácido tranexâmico (tópico): É um derivado sintético do amino ácido lisina, e tem ação anti fibrinolítica através do bloqueio reversível dos receptores de lisina nas moléculas de plasminogênio. Quando usado em sítios de sangramento difuso, diminui significativamente a perda sanguínea e a necessidade de hemotransfusão. Infelizmente, a evidência cientifica para o seu uso segue o mesmo problema dos selantes de fibrina, poucos ensaios clínicos e de baixa qualidade 7.




Baseados em albumina: Como grande exemplo temos o Bioglue, que é um composto de gluteraldeido + albumina bovina, que ao se misturarem rapidamente formam um composto sólido, que bloqueia sangramento e deixa firme tecidos friáveis. Quando usado em cirurgia para reparo de dissecção de aorta, foi associado a uma diminuição de perda sanguínea. Vale notar que o composto é rígido, se usado circunferencialmente pode impedir o crescimento radial, ocasionando estenoses de vasos 8.



Certo, então vamos usar esses AHT em toda cirurgia para reduzir sangramento? NÃO!


São medicamentos caros e possuem complicações relativas ao uso a serem pesadas:



Custo:


É preciso saber que o custo desses agentes não é barato, então seu uso deve ser racionalizado. Para ser custo efetivo, o agente deve promover controle de sangramento e evitar transfusão sanguínea, re-operações por sangramento e estadia no hospital. Um estudo multicêntrico nos EUA comparou durante três anos as altas de 36.950 pacientes para saber se o uso de AHT estava reduzindo a estadia pós-operatória de cirurgia cardíaca dos pacientes. Foram comparados: Trombina tópica (Floseal) vs Surgicel + trombina vs Gelfoam + trombina. Apenas o Floseal foi associado a diminuição do tempo de estadia em hospital no pós-operatório 9.


*(LOS = duração da estadia pós-operatória esperada).



A titulo de curiosidade, a faixa de preço é aproximadamente essa:


Agentes de matriz seca: 50-100 dólares.

Trombina + gelatina: 100-300 dólares.

Selantes de fibrina: 500-750 dólares.

Baseados em albumina: 500-750 dólares.



Complicações / Cuidados:


Infecção: Diversos são os relatos de infecção de sítio cirúrgico relacionado ao uso de agentes hemostáticos. O cuidado é de não deixar excesso desses no local. Ainda, há relato de confundimento de exames de imagem quando houve uso excessivo de matrizes seca. Elas podem aparecer em tomografia como uma imagem com halo hiper denso com centro hipo denso, confundindo-se com abscesso 10.



Reação alérgica / anafilaxia: Pacientes com história de reações anafiláticas à transfusão de plasma estão sob contra indicação de receber selantes de fibrina preparados a partir de plasma. Ainda, pode haver formação de anticorpos contra a proteína bovina, levando a alargamento de INR.


Transmissão viral: Apesar do risco teórico de transmissão viral a partir de selantes de fibrina feitos a partir de plasma humano, ainda não há relato de infecção.


Trombose de prótese vascular: Havia no inicio grande preocupação com o uso de agentes hemostáticos tópicos em próteses, principalmente preocupava que a porosidade das próteses de Dácron permitisse que os agentes líquidos caíssem na corrente sanguínea, porém isso já foi superado.


Cuidado com CEC / corrente sanguínea: Grande cuidado deve ser tomado ao usar agentes líquidos próximos a vasos ou quando o coração está aberto, sob o risco de embolia e trombose. Se houver uso de CellSaver, o sangue em contato com a gelatina não deve ser resgatado pois pode deflagrar CIVD.


Tamponamento: Agentes de matriz seca têm a propriedade de expandir ao absorver sangue / líquidos. Atente ao local de implantação. É sugerido evitar coloca-los em locais que possam ser comprimidos, sob o risco de tamponamento.


Para aplicar os agentes de matriz seca, deixe o local seco, coloque-os e pressione com uma gaze por alguns minutos. Lembre-se de retirar o excesso.


Ok, sabemos agora do que são feitos, quanto custam e os cuidados com o uso. Mas, e na hora de usar? Qual agente escolher?


De forma geral, dividiremos os tipos de sangramento em:


Ativo / Anatômico / Em jato

De buraco de agulha

Babação / Difuso



Para sangramentos ativos, oriundos de estruturas vasculares importantes jateando sangue, o ideal é que se ligue ou cauterize o vaso sangrante. O único hemostático tópico aprovado (FDA) para essa situação é o Bioglue.


Já nos sangramentos de enxerto, anastomoses, buracos de passagem de agulha, onde há sangramento vivo, porém, não em jato, a escolha fica para os agentes biológicos líquidos, que tem a capacidade de tapar os furos e rapidamente ativar a coagulação no local. Agentes de matriz seca também podem ser aplicados sob o local, porém com uma menor eficácia.


Para babação de moderada monta, ainda está indicado os agentes biológicos, por sua maior efetividade.


Para babação em local específico, sangramentos venosos de pequena monta, indica-se os agentes de matriz seca.



Para o futuro:


Está em teste um novo AHT ativado por luz que é uma cola de tecido resistente a fluidos / sangue. É um pré polímero biocompatível, biodegradável e hidrofóbico, que, quando misturado a um foto iniciador e exposto à luz ultravioleta, se ativa, não se dissolvendo em contato com sangue.




Referências:

  1. Vestergaard RF, Jensen H, Vind-Kezunovic S, Jakobsen T, Søballe K, Hasenkam JM. Bone healing after median sternotomy: a comparison of two hemostatic devices. J Cardiothorac Surg. 2010;5:117. Epub 2010 Nov 24.

  2. Richard WH, Kavita G, Doug J, Lee C, Gary Z, Pullen S. Hemostatic efficacy and tissue reaction of oxidized regenerated cellulose hemostats. Cellulose (2013) 20:537-545.

  3. Shander A, Kaplan LJ, Harris MT, Gross I, Nagarsheth NP, Nemeth J, Ozawa S, Riley JB, Ashton M, Ferraris VA. Topical hemostatic therapy in surgery: bridging the knowledge and practice gap. J Am Coll Surg. 2014;219(3):570.

  4. Rogers AC, Turley LP, Cross KS, McMonagle MP. Meta-analysis of the use of surgical sealants for suture-hole bleeding in arterial anastomoses. Br J Surg. 2016;103(13):1758. Epub 2016 Oct 7.

  5. Rousou J, Levitsky S, Gonzalez-Lavin L, Cosgrove D, Magilligan D, Weldon C, Hiebert C, Hess P, Joyce L, Bergsland J. Randomized clinical trial of fibrin sealant in patients undergoing resternotomy or reoperation after cardiac operations. A multicenter study. J Thorac Cardiovasc Surg. 1989;97(2):194.

  6. Carless PA, Anthony DM, Henry DA. Systematic review of the use of fibrin sealant to minimize perioperative allogeneic blood transfusion. Br J Surg. 2002;89(6):695.

  7. Ker K, Beecher D, Roberts I.Topical application of tranexamic acid for the reduction of bleeding. Cochrane Database Syst Rev. 2013.

  8. Chao HH, Torchiana DF. BioGlue: albumin/glutaraldehyde sealant in cardiac surgery. J Card Surg. 2003;18(6):500.

  9. Krishnan S, Conner TM, Leslie R, Stemkowski S, Shander A. Choice of hemostatic agent and hospital length of stay in cardiovascular surgery. Semin Cardiothorac Vasc Anesth. 2009;13(4):225. Epub 2009 Dec 1.

  10. Alves Júnior L, Vicente WV, Ferreira CA, MansoPH, Arantes LR, Pinheiro KS, et al. Surgicel packing and an erroneous diagnosis of mediastinitis in a neonate. Tex Heart Inst J. 2010;37(1):116-8.


* Não houve conflito de interesse na construção desse post.


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