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CEC e ECMO: similaridades e diferenças quanto ao circuito

Foto do escritor: Matheus M. HennemannMatheus M. Hennemann

A circulação extracorpórea (CEC) e a oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) apresentam diversas similaridades. Contudo, suas diferenças as tornam duas técnicas distintas. As indicações, as condutas e também os circuitos são diferentes. Aqui, iremos abordar as semelhanças e diferenças entre os circuitos da CEC e da ECMO.

DEFINIÇÕES E INDICAÇÕES

A CEC consiste em um desvio cardiopulmonar de curta duração, na qual o sangue é desviado do coração e dos pulmões para uma máquina. A CEC é utilizada, majoritariamente, em cirurgias cardíacas e há necessidade de um perfusionista controlando a máquina durante a todo momento durante seu funcionamento.

A ECMO consiste em um suporte de vida extracorpóreo de média duração que permite a substituição temporária do coração e/ou dos pulmões, até que esses órgãos se recuperem. Esse circuito substitui as funções de bomba do coração e/ou de trocas gasosas dos pulmões, a depender do tipo de canulação realizada. A ECMO é utilizada, na maioria dos casos, como suporte pulmonar em neonatos e suporte cardiopulmonar após choque cardiogênico em adultos. Não há necessidade de um especialista em ECMO controlando a máquina o tempo todo.

CIRCUITOS

O circuito da CEC é aberto, ou seja, há contato do sangue com o ar (relembre aqui os componentes do circuito de CEC). Isso ocorre no reservatório venoso, estrutura não presente na ECMO. Devido a essa interface ar-sangue, é recomendado o uso de um filtro arterial na CEC, outro componente ausente na ECMO. Ainda, na ECMO não há aspiradores de campo ou um sistema de cardioplegia. Com isso, a ECMO consiste em um circuito de CEC simplificado, sendo os principais componentes: cânulas, tubos, bomba e oxigenador.

Fotos de circuito de CEC (esquerda), mais robusto, e de ECMO (direita), mais simplificado.

REVESTIMENTO INTERNO

Um dos principais efeitos negativos da circulação extracorporéa ou da ECMO é a geração da síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS, systemic inflammatory response syndrome). A SIRS consiste em uma série de respostas do organismo após um quadro de inflamação sistêmica, como a ocasionada pelo contato direto do sangue com superfícies não endoteliais. Os componentes do circuito da CEC e da ECMO são constituídos, na grande maioria, de plásticos, portanto causam um estresse aos elementos do sangue.

Uma das formas de tentar minimizar esses efeitos e modular a resposta inflamatória, principalmente em procedimentos de médio a longo prazo, como na ECMO, é o revestimento interno do circuito. A heparina foi o primeiro composto testado para esse fim. A ligação de heparina à face interna dos plásticos se dá de forma covalente, permitindo uma durabilidade maior. Entretanto, os estudos não mostram resultados unânimes quanto à melhora na resposta inflamatória do paciente, ou mesmo quanto à diminuição da necessidade de administração de heparina para atingir níveis aceitáveis de anticoagulação. O revestimento conjunto com albumina promete diminuir a perda proteica do paciente, além de formar uma camada mais uniforme de revestimento.

A fabricação de superfícies biomiméticas com óxido nítrico também é estudada, por se tratar de um antiagregante plaquetário. Contudo, a lixiviação do NO é muito rápida após o início da ECMO, e assim seu potencial efeito não é possível de ser avaliado a longo prazo. Já a fosforilcolina parece formar uma camada organizada de fosfolipídios que mimetiza uma biomembrana na face interna do circuito. Outros estudos mostram que o poli-2-metoxietilacrilato é capaz de reduzir a adesão e agregação plaquetária. Atualmente, não se recomenda a eliminação da anticoagulação com heparina mesmo em circuitos totalmente revestidos.

Revestimento interno do circuito com heparina e albumina, Bioline Coating® (Maquet). Fonte: http://www.science-display.com/new/datenbank/detail.php?action=edit&id=80

Atualmente, os materiais com revestimento interno mais conhecidos disponíveis no mercado são:

  • Albumina humana recombinante + heparina (Maquet Bioline®) – circuito de CEC e ECMO;

  • Heparina, ligação covalente (Medtronic Cortiva e Medtronic Trillium®) – somente cânulas;

  • Heparina, ligação covalente (Nipro) – somente oxigenador de ECMO;

  • Poli-2-metoxietilacrilato (Terumo X Coating™) – circuito de CEC;

  • Fosforilcolina (Eurosets) – somente oxigenador de ECMO.

O avanço da tecnologia nos próximos anos deve permitir melhoras quanto aos tipos de revestimento interno dos circuitos. A ligação mais duradoura dos componentes, a comprovação de benefício dessa técnica através de estudos e até a endotelização interna do circuito com material do próprio paciente estão entre as perspectivas futuras.

CÂNULAS

As cânulas utilizadas em procedimentos com circulação extracorpórea e na ECMO, de maneira geral, são muito similares. O objetivo das cânulas venosas é promover uma drenagem adequada, usando do diâmetro da cânula e da gravidade e sifonagem como os principais agentes determinantes de drenagem. Para as cânulas arteriais, é importante oferecer menor resistência à passagem do fluxo sanguíneo.

O sistema da ECMO pode ser montado na configuração veno-venosa, o que significa que o sangue é drenado de uma veia e devolvido em outra veia. Visto isso, esses componentes são denominados de cânulas de drenagem e de reinfusão. Enquanto na CEC a canulação central é mais comum, na ECMO se utiliza muito a canulação periférica, seja ela em vasos do pescoço ou femorais. Além de cânulas longas serem mais comuns em ECMO, o revestimento interno também pode ser aplicado.

Em ECMO veno-venoso (VV) existe a possibilidade de se utilizar uma cânula de duplo lúmen, que promove ambas drenagem e infusão de sangue. A cânula é inserida na veia jugular e posicionada para drenar o sangue na desembocadura das veias cava no átrio direito e infundir o sangue em direção à válvula tricúspide. Existem 3 marcas de cânula de duplo lúmen (BioGen, Avalon e Covidien), com diâmetro de 12 a 31 Fr, porém elas ainda não estão disponíveis no Brasil, pendendo aprovação da Anvisa.

Posicionamento da cânula de duplo lúmen Avalon (Maquet), através da veia jugular interna direita.

TUBOS E CONEXÕES

Os tubos do circuito de CEC são constituídos de PVC ou de silicone. Conectores podem ser incluídos no circuito a fim de abrir desvios ao fluxo de sangue ou para conectar tubos de calibre diferente. Já na ECMO, devido ao maior tempo de suporte, quanto menos conexões e desvios o circuito tiver, ou seja, quanto mais simples for, melhor.

Na ECMO, são utilizados tubos de diâmetro 3/8” para adultos e 1/4” para neonatos e crianças. Muitas vezes o conjunto de tubos de um circuito de ECMO apresenta um revestimento interno a fim de minimizar os distúrbios da coagulação.

BOMBAS

Enquanto em CEC pode se utilizar bomba de roletes, na ECMO esse tipo de bomba não é recomendado. Elas causam mais dano físico aos elementos sanguíneos, principalmente em procedimentos longos (acima de 6 horas). Além disso, a bomba de rolete, por ser oclusiva e possivelmente gerar pressões excessivamente altas no circuito, é mais “perigosa” e pode causar acidentes graves.

Existem diversos tipos e modelos de bombas utilizadas para ECMO. Elas podem ser classificadas em diagonais (DP3) ou centrífugas (CentriMag, PediMag, Revolution, Rotaflow, Affinity). As mais utilizadas são as centrífugas, e cada uma têm suas propriedades e características, sendo que o principal ponto observado é o grau de hemólise. Assim como outros componentes do circuito, elas podem apresentar um revestimento interno.

OXIGENADOR

Os oxigenadores de CEC e ECMO têm como maior diferença o material das fibras. Os oxigenadores de CEC são compostos de fibras semipermeáveis de polipropileno. Essas fibras podem apresentar extravasamento de plasma através dos microporos e, por isso, é certificada para uso até 6 horas, não sendo aplicável para ECMO. As membranas de ECMO são compostas de fibras de polimetilpenteno (PMP), na qual não há microporos e a troca gasosa ocorre através de difusão somente dos gases O2 e CO2. Consequentemente, as membranas de PMP apresentam maior durabilidade, e há relatos de boa performance mesmo após 59 dias de uso em ECMO.

Diagrama do fluxo de sangue através do oxigenador Quadrox (Maquet), evidenciando a membrana de desaeração.

Oxigenadores de PMP apresentam menor resistência à passagem do sangue através das fibras, menor volume de prime, têm um trocador de calor acoplado e seu desenho permite a captura de microbolhas que possam adentrar o circuito. Os principais oxigenadores disponíveis do mercado são: Quadrox (Maquet), Hilite (Medos), EOS (Livanova), Biocube (Nipro), A.L.ONE ECMO (Eurosets) e Paragon (Chalice).

TAKE-HOME MESSAGE

  • Os circuitos de ECMO e CEC não são intercambiáveis;

  • A montagem do circuito de ECMO geralmente é feita por um perfusionista, mas é importante que todos profissionais que trabalham com paciente em ECMO conheçam os princípios dessa técnica;

  • ECMO não é tratamento! Consiste em um suporte respiratório ou cardiorrespiratório que dá mais tempo para que os órgãos do paciente se recuperem.

REFERÊNCIAS

Extracorporeal Life Support: The ELSO Red Book, 5ª ed. ISBN 978-0-9656756-5-9

Ontaneda, A., Annich, G. M. (2018) Novel surfaces in extracorporeal membrane oxygenation circuits. Frontiers in Medicine, 321(5). https://doi.org/10.3389/fmed.2018.00321

Preston, T. J. et al. (2010) Modified Surface Coatings and their Effect on Drug Adsorption within the Extracorporeal Life Support Circuit. JECT 42, 199-202. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4679959/pdf/ject-42-199.pdf

Ündar, A. et al. Pediatric Devices. In: Fraser J., Gregory S., Stevens M., Mechanical Circulatory and Respiratory Support. Academic Press, 2018, cap. 9, 271-297. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-810491-0.00009-6

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