Ainda é útil classificar a Dor torácica em Angina Típica e Atípica? (ESC 2024)
Quando nos deparamos com um paciente que relata dor torácica, buscamos, sempre que possível, determinar ou excluir se a dor está relacionada ao miocárdio, se é de origem cardíaca ou se realmente caracteriza uma angina.
Classicamente, classificamos a dor anginosa como típica (definitiva), atípica (provável) ou definitivamente não anginosa com base na localização da dor (retroesternal), fatores que a provocam (esforço físico ou estresse emocional) e aliviam (repouso ou uso de Nitratos). Mas o que diz a diretriz ESC 2024 sobre esse clássico da anamnese cardiológica? Aqui estão 5 pontos principais levantados pela diretriz:
Classificação tradicional é limitada: A categorização dos sintomas de angina como “típicos, atípicos ou não anginosos” não reflete a complexidade da fisiopatologia moderna da isquemia. Nossa compreensão da fisiopatologia da Síndrome Coronariana Crônica (SCC) está passando de um modelo simples para um modelo mais complexo, e isso inclui a análise da sintomatologia.
Isquemia não obstrutiva desafia padrões tradicionais: Disfunção microvascular e vasoespasmos frequentemente causam isquemia sem apresentar as características clássicas de DAC obstrutiva. Ou seja, disfunção microvascular ou vasoespasmo apresentam em menor frequência uma dor retroesternal que piora aos esfoços e melhora no repouso.
Prognóstico semelhante entre sintomas típicos e atípicos: Estudos como o PRECISE (clique aqui ou na imagem abaixo para acessar a publicação) mostraram que pacientes com angina “típica” e “atípica” têm desfechos clínicos similares, limitando a utilidade dessa classificação em modelos preditivos.
Descrição detalhada é essencial: Substituir classificações tradicionais por descrições completas e precisas dos sintomas ajuda a melhorar o diagnóstico e o manejo clínico. Abaixo está a Figura 3 da Diretriz ESC 2024, que detalha os dois principais sintomas da Síndrome Coronariana Crônica: angina e dispneia.
Avaliação abrangente da dor torácica: Antes de classificá-la como não cardíaca, é crucial excluir objetivamente causas cardíacas, como isquemia por DAC obstrutiva, doença microvascular ou vasoespasmos coronarianos.
Reflexões pessoais:
Esse "banho de água fria" da diretriz não significa que devemos abandonar o classicismo da classificação da angina. Embora existam evidências questionando seu valor prognóstico, há outras que a defendem, especialmente no contexto da síndrome coronariana aguda.
Acredito que a ideia da diretriz seja justamente tirar o médico da zona de conforto no momento da anamnese. Muitas vezes, ao se limitar às três perguntas básicas e superficiais (como é a dor, piora com o quê, melhora com o quê), não se consegue chegar a um diagnóstico preciso, o que compromete o tratamento adequado para um paciente com uma síndrome tão multifacetada que afeta as coronárias.
Dessa forma, talvez o mais importante do que apenas classificar a angina, seja descrever o conjunto completo de sinais e sintomas que possa favorecer um diagnóstico mais preciso.
Referências:
Christiaan Vrints, Felicita Andreotti, Konstantinos C Koskinas, Xavier Rossello, Marianna Adamo, James Ainslie, Adrian Paul Banning, Andrzej Budaj, Ronny R Buechel, Giovanni Alfonso Chiariello, Alaide Chieffo, Ruxandra Maria Christodorescu, Christi Deaton, Torsten Doenst, Hywel W Jones, Vijay Kunadian, Julinda Mehilli, Milan Milojevic, Jan J Piek, Francesca Pugliese, Andrea Rubboli, Anne Grete Semb, Roxy Senior, Jurrien M ten Berg, Eric Van Belle, Emeline M Van Craenenbroeck, Rafael Vidal-Perez, Simon Winther, ESC Scientific Document Group , 2024 ESC Guidelines for the management of chronic coronary syndromes: Developed by the task force for the management of chronic coronary syndromes of the European Society of Cardiology (ESC) Endorsed by the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS), European Heart Journal, Volume 45, Issue 36, 21 September 2024, Pages 3415–3537, https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehae177
Douglas PS, Nanna MG, Kelsey MD, Yow E, Mark DB, Patel MR, Rogers C, Udelson JE, Fordyce CB, Curzen N, Pontone G, Maurovich-Horvat P, De Bruyne B, Greenwood JP, Marinescu V, Leipsic J, Stone GW, Ben-Yehuda O, Berry C, Hogan SE, Redfors B, Ali ZA, Byrne RA, Kramer CM, Yeh RW, Martinez B, Mullen S, Huey W, Anstrom KJ, Al-Khalidi HR, Vemulapalli S; PRECISE Investigators. Comparison of an Initial Risk-Based Testing Strategy vs Usual Testing in Stable Symptomatic Patients With Suspected Coronary Artery Disease: The PRECISE Randomized Clinical Trial. JAMA Cardiol. 2023 Oct 1;8(10):904-914. doi: 10.1001/jamacardio.2023.2595. PMID: 37610731; PMCID: PMC10448364.
Comments