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Ultrafiltração em cirurgia cardíaca: benefícios, indicações e técnicas


A ultrafiltração, ou hemoconcentração, é um procedimento no qual o sangue passa por um dispositivo com membrana semipermeável capaz de remover água, eletrólitos e substâncias de baixo peso molecular. O termo “ultrafiltração” é mais empregado, uma vez que “hemofiltração” sugere a substituição do líquido removido por outro. Já a diálise consiste em um procedimento semelhante, contudo conta com a circulação de um líquido de diálise do outro lado da membrana.

ULTRAFILTRO OU HEMOCONCENTRADOR

O ultrafiltro ou hemoconcentrador é um componente acessório do circuito de circulação extracorpórea. Pode ser incorporado ao circuito durante a montagem pré-CEC ou adicionado durante a CEC, conforme necessidade. Há ainda relatos de uso de ultrafiltros em circuito de ECMO, contudo o uso de aparelho de diálise é mais indicado nesses casos.

O sangue entra no ultrafiltro na parte inferior, passa por dentro das fibras semipermeáveis e sai pela parte superior. O líquido eluente é recolhido através de uma saída lateral, nesse modelo de ultrafiltro da Sorin.

A principal indicação para utilização de ultrafiltro em CEC é para a remoção de água. Devido à hemodiluição do paciente, necessária para preenchimento do circuito, e à administração de volume para a infusão de drogas anestésicas, pode haver a necessidade de remoção de líquido. Vale lembrar que durante a cirurgia, devido ao estresse cirúrgico, à hipotermia e à pressão arterial mais baixa, a eliminação renal muitas vezes está diminuída.

A membrana semipermeável apresenta poros de aproximadamente 1000 Ångströms (0,1 µm), contudo o peso molecular é mais importante no quesito da permeabilidade aos solutos. Moléculas com peso molecular menor que 100 Daltons (água, ureia, creatinina, sódio, potássio, ácido lático) não sofrem resistência e são filtradas livremente. Moléculas de até 20 kDa podem ser filtradas a taxas menores, ao passo que moléculas acima de 50 – 65 kDa (albumina, proteínas, células) não são filtradas.

Coeficiente de depuração do hemoconcentrador HEMOCOR HPH, da Terumo. Moléculas pequenas, como a vitamina B12 (1,3 kDa), têm maior taxa de filtração do que moléculas maiores, como a albumina (65 kDa).

É interessante observar ainda que certas moléculas pequenas, quando ligadas às proteínas plasmáticas, apresentam menor taxa de depuração do que quando estão livres no plasma. Esse é o caso da heparina. A heparina de baixo peso molecular, mais indicada para anticoagulação em cirurgia cardíaca, tem peso molecular médio de 5 kDa, porém 80% se mantém ligada às proteínas plasmáticas (LPP), diminuindo seu coeficiente de depuração (CD), como mostra a tabela ao lado, retirada do livro “Fundamentos da Circulação Extracorpórea” (2006).

Os ultrafiltros atuais são constituídos de milhares de fibras de polietersulfona ou polisulfona, com área efetiva de 0,5 – 0,7 m2. Apresentam volume de prime de 34 – 60 ml e trabalham com fluxos máximos de 400 – 500 ml/min. A velocidade de ultrafiltração depende de diversos fatores, como fluxo de sangue, coeficiente de ultrafiltração, pressão oncótica do sangue e pressão negativa aplicada ao efluente do ultrafiltro, mas gira em torno de 30 – 50 ml/min.

MODALIDADES DE ULTRAFILTRAÇÃO

O ultrafiltro pode ser colocado em diversos pontos do circuito, e o emprego da técnica de ultrafiltração pode se dar de diversas formas, sendo as mais conhecidas a CUF e a MUF.

Exemplos de posicionamento do ultrafiltro no circuito de CEC. Nas posições A e B se configura a CUF, e nas posições C e D, a MUF. Retirado e adaptado de Wang, S et al. Current ultrafiltration techniques before, during and after pediatric cardiopulmonary bypass procedures (2012).

ULTRAFILTRAÇÃO CONVENCIONAL (CUF)

A ultrafiltração convencional, ou CUF (conventional ultrafiltration), consiste na remoção de água e eletrólitos do sangue proveniente do reservatório venoso. Esse procedimento é realizado durante a CEC, na qual o sangue contido no reservatório venoso é impulsionado pela bomba arterial através do filtro. O sangue não filtrado retorna ao reservatório venoso e o líquido filtrado é recolhido e medido ao final do procedimento.

A CUF é essencialmente utilizada quando duas situações ocorrem: baixo hematócrito e grande volume do reservatório durante a CEC. Para que a CUF seja realizada, é necessário volume no reservatório venoso da CEC, e seu principal objetivo é remover água a fim de aumentar o hematócrito do paciente.

Um exemplo de boa utilização do hemoconcentrador é após a infusão de uma solução de cardioplegia cristaloide de grande volume que é aspirada para o reservatório venoso. As cardioplegias del Nido ou Custodiol, por exemplo, consistem na parada do coração através da administração de 1000 – 1500 ml de cristaloide. Com isso, a hemodiluição do paciente pode ser excessiva, e o hemoconcentrador pode ser utilizado para remover esse volume extra que foi administrado, como ilustrado no esquema abaixo.

Exemplo de uso de ultrafiltração convencional durante a CEC. Após o ganho de volume do reservatório, esse volume pode ser retirado através do ultrafiltro e assim, ser retomado o hematócrito inicial.

ULTRAFILTRAÇÃO BALANÇO-ZERO (ZBUF)

A ZBUF (zero-balance ultrafiltration), ou DUF (dilutional ultrafiltration), é uma técnica que utiliza o racional da CUF, porém o balanço final do líquido filtrado é zero. A ideia por trás dessa técnica é administrar certo volume de uma solução cristaloide balanceada, como o Plasma Lyte, e remover o mesmo volume durante a fase de reaquecimento do paciente através do ultrafiltro.

Alguns estudos mostram que esse procedimento permite a remoção de substâncias como potássio e glicose que podem ser prejudiciais durante o desmame da CEC e no pós-operatório imediato. Contudo, outros estudos relatam que ocorre a remoção também de substâncias importantes durante essa “lavagem” do sangue do paciente, como magnésio, cálcio, vitaminas e citocinas de baixo peso molecular.

ULTRAFILTRAÇÃO MODIFICADA (MUF)

A ultrafiltração modificada, ou MUF (modified ultrafiltration), consiste na utilização do ultrafiltro após a saída de perfusão, para a remoção de água diretamente do paciente. Essa técnica foi proposta em 1991, por Naik e Elliot, e direcionada para uso em cirurgia cardíaca pediátrica. Naquele estudo, o grupo submetido à MUF apresentou menor ganho de água e maior hematócrito ao término da cirurgia quando comparado ao grupo controle e ao grupo submetido à CUF.

Visto que em cirurgias pediátricas se trabalha com pouco volume no reservatório venoso, muitas vezes não é possível realizar a CUF. Com adaptações do circuito e uma boa comunicação entre cirurgiã (o), perfusionista e anestesista, a MUF permite remover água diretamente do paciente após a CEC. Dessa forma, os benefícios aos pacientes se tornam maiores, principalmente aos neonatos.

Após a saída de perfusão e constatada a estabilidade hemodinâmica do paciente, são feitas mudanças de pinças e conexões junto às cânulas que permitem o perfusionista aspirar sangue diretamente da cânula aórtica, impulsionar o sangue através do ultrafiltro e devolvê-lo através da cânula venosa. Essa configuração é chamada de av-MUF, na qual o sangue é aspirado de acesso arterial e devolvido em acesso venoso. Existem diversas configurações possíveis (av, vv, aa, va), que dependem da preferência da equipe.

Abaixo, observamos os principais benefícios da MUF, na qual se destacam a melhora nas funções cardíaca e pulmonar, devido à diminuição do edema, e o aumento do hematócrito:

  • Remoção de líquido

  • Aumento do hematócrito

  • Diminuição do edema

  • Melhora da função cardíaca

  • Melhora da função pulmonar

  • Redução da resistência vascular pulmonar

  • Melhora na recuperação pós-operatória

  • Diminuição no uso de hemoderivados

  • Prevenção de disfunção orgânica

A ultrafiltração modificada é realizada logo após a saída de perfusão, com fluxos de 10 – 30 ml/kg/min através do ultrafiltro. É recomendado aplicar vácuo (até 40 mmHg) na saída do efluente a fim de melhorar a pressão transmembrana e, consequentemente, aumentar o volume filtrado. A MUF é realizada, geralmente, de 10 – 15 min ou até obtenção de valor de hematócrito satisfatório. Pacientes pequenos podem apresentar instabilidade hemodinâmica durante a MUF devido à perda do volume filtrado. Visto isso, muitas equipes fazem a devolução do volume residual na máquina de CEC durante esse período, através da bomba arterial ou através de aspiração com seringa e devolução em acesso venoso central.

REFERÊNCIAS

Bierer, J. et al. (2019) Ultrafiltration in Pediatric Cardiac Surgery Review. Congenital Heart Surgery, 10(6), 778-788. https://doi.org/10.1177%2F2150135119870176

Matte, G. S. (2015) Perfusion for congenital heart surgery: notes on cardiopulmonary bypass for a complex patient population. New Jersey: John Wiley & Sons, Inc.

Souza, M. H. L., Elias, D. O. (2006) Fundamentos da Circulação Extracorpórea: 2ª ed. Rio de Janeiro: Centro Editorial Alfa Rio.

Wang, S., Palanzo, D., Ündar, A. (2012) Current ultrafiltration techniques before, during and after pediatric cardiopulmonary bypass procedures. Perfusion, 27(5), 438-446. https://doi.org/10.1177%2F0267659112450061

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