Disfunção precoce de bioprótese valvar: quando pensar em trombose dos folhetos?
A disfunção precoce das próteses biológicas pode ser por degeneração - fratura ou disjunção dos componentes da prótese, calcificação, rasgo dos folhetos - assim como também por trombos que atapetam os folhetos gerando dificuldade de abertura e/ou fechamento da valva.
Muitas vezes é difícil diferenciar no ecocardiograma essas duas condições sendo necessário lançar mão de um conjunto de preditores que sugerem trombose dos folhetos e não degeneração.
O trabalho publicado por Egbe et al (1) em 2015 no JACC, sugere a avaliação de 05 preditores independentes na avaliação da hipótese de trombose da prótese ( 02 clínicos e 03 ecocardiográficos). Abaixo segue as variáveis:
02 preditores clínicos
História prévia de fibrilação atrial paroxística
Uso de anticoagulação em faixa não terapêutica
03 preditores ecocardiográficos
Aumento do gradiente médio acima do basal maior que 50 %
Observação:
O ECO basal deve ser feito 2 a 4 semanas após a cirurgia sendo fundamental sua realização, Caso não feito, não teremos como julgar se o gradiente elevado foi por conta de mismatch ou fatores relacionados ao procedimento cirúrgico.
Espessamento dos folhetos da prótese
Diminuição da mobilidade dos folhetos
Quando todas as 05 variáveis estão presentes teremos uma especificidade de 93%, valor preditivo positivo de 85% e valor preditivo negativo de 89% para trombose de bioprótese.
Apesar do número limitados de eventos no trabalho de Egbe et al (n = 46) a ausência de grandes estudos avaliando a trombose de bioprótese torna esse modelo ainda um dos melhores disponíveis.
Abaixo segue a tabela do artigo de revisão publicado no JACC em 2017 por Puri, Auffret e Rodés-Cabau (2), colocando as variáveis propostas por Egbe et al e suas respectivos valores preditivos, sensibilidade e especificidade.
Exemplo clínico:
Paciente de 75 anos, no segundo ano de seguimento ambulatorial após implante de bioprótese aórtica, com queixa principal de dispneia aos mínimos esforços e ortopneia. Ao exame físico podemos observar turgência jugular, sopro (4+/6) em foco aórtico com irradiação para as carótidas e ritmo cardíaco irregular (paciente tem história prévia de FA porém sem receber anticoagulação oral).
O doente te dá dois laudos de ecocardiograma. O primeiro, realizado no primeiro mês após a cirurgia encontrava-se normal. O segundo, realizado uma semana antes da atual consulta solicitado pelo médico da unidade básica de saúde, demonstrava um aumento considerável do gradiente médio transvalvar aórtico e espessamento dos folhetos.
No que devemos pensar ? O paciente tem 04 dos 05 preditores para trombose de prótese. Devemos também considerar que o velho possui uma velocidade de degeneração valvar bem menor que o jovem e que o tempo médio para uma bioprótese ficar comprometida (variável entre as marcas) é em torno de 10 anos - o paciente estava no segundo ano de pós-operatório. Parece claro que uma das hipóteses que devemos ter em mente é a trombose da bioprótese!
Dicas
Disfunção precoce de bioprótese em idoso com eco basal normal = pensar em trombose da bioprótese.
Vale a pena ouvir o PodCast do cardiopapers a respeito do Tema. Foi ele a minha primeira fonte de informação a respeito do tema ainda quando era R1.
https://soundcloud.com/user-709675567/trombose-de-protese
Referências:
1. J Am Coll Cardiol. 2015 Dec 1;66(21):2285-2294. doi: 10.1016/j.jacc.2015.09.022.
2. Journal of the American College of Cardiology May 2017, 69 (17) 2193-2211; DOI: 10.1016/j.jacc.2017.02.051