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Dissecção da aorta ascendente: reflexões cirúrgicas e análise da estratégia


A dissecção aguda da aorta do tipo A de standford é uma condição onde teremos a delaminação das camadas da aorta devido a um rompimento da camada íntima-média na aorta ascendente (em alguns casos advoga-se rompimento de vaso vasorum gerando hematoma intramural e posterior propagação para íntima e luz verdadeira). O acometimento da aorta ascendente também pode ocorrer de maneira retrógrada, acometendo a aorta descendente ou arco aórtico em direção a porção proximal.


É notório o significado maligno que a dissecção da aorta ascendente possuí já que as complicações são frequentes e letais - mortalidade de 60% se nenhum procedimento for feito. Quando a delaminação da aorta atinge as coronárias, o doente sofre síndrome coronariana aguda; quando compromete os vasos da base, o doente pode evoluir com acidente vascular encefálico; quando distorce o anel aórtico ou valva homônima, o doente pode evoluir com insuficiência aórtica aguda; e quando a tensão sobre as camadas dissecadas rompe a aorta, o doente poderá apresentar tamponamento cardíaco. Observem que todas as complicações citadas são graves e potencialmente letais.


Vários estudo são categóricos em mostrar a elevada mortalidade das dissecções do tipo A sendo, portanto, uma condição iminentemente cirúrgica. E aí que começa o dilema para o cirurgião. Nas próximas linhas tentarei delinear os principais aspectos e nuances que norteiam a estratégia operatória.


Primeiramente, teremos que nos preparar para a lado emocional da questão. Iremos conhecer um paciente que possuirá, apesar de todos os avanços tecnológicos no intuito de tratar dissecção da aorta, uma elevada mortalidade (15 a 30% de mortalidade perioperatória). Conheceremos também seus familiares que irão depositar todas suas esperanças na equipe cirúrgica. Ou seja, diferentemente da maioria dos pacientes eletivos que conhecemos na cirurgia cardíaca, aquele terá uma grande chance de não sair vivo e teremos o peso psicológico de enfrentarmos a morte de um ser humano e o sofrimento dos seus respectivos familiares.


O segundo ponto gira em torno da estratégia cirúrgica propriamente dita. A dissecção é um verdadeiro desafio que exige uma grande capacidade técnica do cirurgião, além de uma ótima coordenação da equipe (perfusão, anestesista, instrumentação, etc).


Apesar de termos em mãos vários exames que nos dão uma boa noção do que encontraremos em campo operatório, nenhum é mais fidedigno do que o próprio achado intra-operatório. Dessa forma, o sucesso da cirurgia gira em torno da análise intra-operatória dos seguintes pontos e estruturas:

  • 1) Valva aórtica: morfologia e função

  • Quando há comprometimento da função da valva aórtica, obviamente devemos intervir. A troca da valva usualmente é requerida quando ela possui um aspecto morfológico doente (calcificações grosseiras, má formação dos folhetos, etc), ou quando, apesar das tentativas de plastia, não se consegue recuperar sua função.

  • 2) Raiz da aorta e seios de valsava: Morfologia e dilatação

  • A substituição da porção mais inicial da aorta usualmente é exigido quando o rasgo da dissecção encontra-se nesse nível. Dessa forma, a cirurgia adquire outro nível, sendo necessário realizar o procedimento de Benttal e De Bonno, David ou Yacoub. Caso não haja comprometimento da raiz da aorta, faz-se apenas necessário retirar eventuais coágulos da luz falsa, usar cola biológica para aproximar as lâminas dissecadas e reforçar o coto restante da aorta com PTFE ou pericárdio bovino (técnica do sanduíche).

Uso de cola biológica na falsa luz. Imagem retirada do livro Khonsari



Reforço da aorta. Imagem retirada do livro Khonsari


As vezes podemos poupar a raiz da aorta de uma substituição usando técnicas alternativas, como demonstrado na figura acima.


  • 3) Arco aórtico: Morfologia e Comprometimento

  • Quando temos um rasgo no arco aórtico, usualmente é mandatório sua substituição. Entretanto, mesmo que haja delaminação nos vasos da base, quando observa-se que o ponto inicial de ruptura da camada íntima encontra-se na aorta ascendente (ou não é encontrado), a estratégia cirúrgica pode ser menos agressiva. Nesses casos pode ser optado por um correção parcial do arco ou somente corrigir a aorta ascendente.

A imagem acima demonstra as diferentes formas de abordagem nas dissecções da aorta ascendente. Várias estratégias são possíveis. Observem que nenhuma das acima contemplou a substituição da raiz da aorta/seios de valsava.




Avaliando e corrigido os pontos supracitados podemos personalizar o tratamento, elaborando a estratégia mais conveniente para cada paciente. Abaixo segue um imagem de um slide do professor Ariel Blitz. Na imagem o professor resume os principais passos da abordagem cirúrgica.


Fonte: youtube no link https://youtu.be/Vbpl_N7iyn4.


Na nossa rotina, observamos uma elevada taxa de sucesso quando optado por preservar o arco aórtico e, sempre que possível, é claro, a raiz da aorta. Quase sempre aplicamos a estratégia de colocar um stent na aorta descendente (Frozen elephant Trunk).


No tocante aos trabalhos que falam sobre a melhor forma de abordagem das dissecações da aorta ascendente, não temos na literatura algo que diga de maneira categórica a melhor estratégia. Sabidamente, a oclusão do ponto de entrada da falsa luz é um fator que pode influenciar o prognóstico do paciente, entretanto estratégias mais agressivas para realizar tal objetivo podem resultar num desfecho pior a curto prazo. Uma revisão sistemática realizada em 2016 não mostrou diferença estatística no tocante a mortalidade intrahospitalar, comparando troca total ou parcial do arco (Imagem abaixo) e uma mortalidade similar no longo prazo. Portanto, por qual motivo não optar por um procedimento mais simples, menos agressivo e mais facilmente reproduzido por cirurgiões menos experientes. Inclusive o mesmo artigo sugere que as reconstruções do arco seja a primeira opção somente em centros de excelência naquele procedimento.

Mediante as reflexão e análises, pergunto-lhes: vale a pena arriscar uma correção completa da dissecção (abordar o arco aórtico) e o paciente morrer precocemente ou ser mais econômico e ter que eventualmente abordar a patologia em um segundo momento? É justamente nesse momento que a expertise dos cirurgiões mais velhos vale muito, no sentindo de individualizar o tratamento e salvar o paciente.


Referências:

  1. Ann Cardiothorac Surg 2016;5(3):156-173

  2. Ann Cardiothorac Surg 2013;2(2):212-215

  3. Ann Cardiothorac Surg 2013;2(2):202-204

  4. Ann Cardiothorac Surg 2013;2(2):205-211

  5. https://youtu.be/Vbpl_N7iyn4

  6. Khonsari`s Cardiac surgery: safeguards and pitfalls in operative Technique


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